Carta de Conrado Falbo sobre “Estive lá fora” | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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Carta de Conrado Falbo sobre “Estive lá fora”

Prometi que publicaria nessa página algumas cartas comentando meus livros, leitores esquecidos do lugar de ensaísta, crítico ou escritor.

Caro Ronaldo,

Uma das questões que mais me marcou no romance Estive lá fora (e com a qual me identifico profundamente) é a relação ambivalente de Cirilo com a cidade do Recife. É interessante como a cidade se torna metáfora de todos os episódios de sua vida e da relação ambígua e contraditória com seu próprio trajeto no mundo. Já havia notado isso no conto “Homem atravessando pontes”, que considero um dos melhores momentos do livro Retratos Imorais. Cirilo contamina a história e a paisagem do Recife com a história de sua vida e me agrada a ideia de uma história contaminada, impura, suja, na qual a verdade não se mede em fatos, mas na crueza de um relato franco.

Também me agrada a subversão de vários símbolos, ritos e tradições associados ao Recife e ao Sertão. O passado é como um pharmakon, que envenena ou cura conforme o estado do paciente. Em vários momentos, Cirilo se alimenta do passado para suportar o presente, mas os efeitos colaterais parecem ser duros demais…

Acho uma metáfora interessante: a merda que vem com a maré e a maconha são elos entre as classes sociais do Recife.

Gosto muito dos fantasmas: João Domísio, já conhecido de outros contos e de Galileia, os espíritos lamentosos da Praça Chora Menino, os desaparecidos da ditadura, os fantasmas de vivos ou dos de destino incerto… Todos eles me mostram o quanto a morte faz parte da vida, ou melhor, o quanto vivemos a morte como parte da vida, com todas as contradições que isso representa. Logo no início do romance você escreve que os estudantes de medicina começam a sua educação “às avessas” ocupando-se dos mortos. Não sei se é uma educação às avessas, já que a morte é tão presente na vida e quase sempre esquecemos este fato.

Na parte inicial do romance, pensando em suicídio, Cirilo se pergunta “como será o Recife que ele deixará de ver?” e esta pergunta reverbera fundo no romance inteiro e em vários personagens: e se não estivéssemos mais aqui? Esta também é a pergunta de todos nós, que temos certeza da morte futura.

Não me lembro se comentei com você que achei que em Galileia existe o tempo todo a sensação de que o “principal” não está sendo dito. Tenho a clara sensação de que, em vários contos do livro Retratos Imorais e agora neste romance, o “principal” (seja ele qual for) está sendo encarado mais abertamente. Isso deixa a narrativa ao mesmo tempo mais crua e mais leve. Crua pela objetividade, pela sensação de não haver filtro para os sentimentos. Leve porque essa objetividade não significa distanciamento, pelo contrário: a proximidade não é sufocante, mas libertadora para os personagens e para o leitor, ou pelo menos para este leitor que vos tecla…

São essas minhas primeiras anotações de leitura. Outras, certamente, surgirão depois.

Abraço amigo,

Conrado.

 

 

 

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