06 jul Graciliano, Tchekhov, Borges e os críticos
O argentino Jorge Luis Borges afirmava que não havia nada de ruim que pudessem dizer sobre os seus livros que ele não dissesse bem pior. A mágoa entre artistas e críticos é antiga e contraditória. Se, por um lado, os artistas se queixam do silêncio que paira sobre suas obras, ofendem-se quando escrevem o que eles não gostam. Até o recatado Tchekhov não usa panos mornos ao falar dos críticos, numa carta a Ivan L. Leôntiev.
“Se a crítica, a cuja autoridade você se refere, sabe o que eu e você não sabemos, por que então até agora ela permanece calada, por que ela não nos desvenda a verdade e as leis absolutas? Se ela soubesse, pode ter certeza de que há muito tempo nos teria mostrado o caminho e nós saberíamos o que fazer, … nós não teríamos tanto tédio e fastio… Mas a crítica se cala com imponência, ou então se limita a um palavreado vazio e imprestável. Se ela parece influente é apenas porque é tola, pretensiosa, atrevida e barulhenta, porque é um barril vazio que se ouve a contragosto…”
O tom agressivo lembra Graciliano Ramos, assumidamente avesso aos resultados da Semana de 22, achando que os modernistas brasileiros confundiam o ambiente literário do país com a Academia e traçavam linhas divisórias, mas arbitrárias, entre o bom e o mau, querendo destruir tudo o que ficara para trás, condenando por ignorância ou safadeza muita coisa que merecia ser salva. Com a desconcertante franqueza de sempre, respondeu quando lhe perguntaram se era um modernista: “Enquanto os rapazes de 22 promoviam seu movimentozinho, achava-me em Palmeira dos Índios, em pleno sertão alagoano, vendendo chita no balcão.”
Vale a pena transcrever um segundo parágrafo da carta de Tchekhov a Leôntiev, por sua atualidade e semelhança com Graciliano.
“Quanto à palavra ‘arte’, dela tenho medo… Quando me falam do artístico e do antiartístico, do que é cênico ou não é cênico, de tendências, de realismo etc., fico atrapalhado, titubeio e respondo com meias verdades banais, que não valem nem um tostão. Eu divido as obras em duas espécies: as que me agradam e as que não me agradam. Não tenho outro critério, e se você me perguntar por que Shakespeare me agrada e Zlatovrátski não me agrada, não saberei responder. Talvez com o tempo, quando me tornar mais inteligente, eu adquira critérios, mas, por enquanto, todas as conversas sobre ‘arte’ só me cansam…”
Borges nunca continuava a leitura de um livro que não o agradasse. Mas, os críticos, por dever de ofício, se obrigam a atravessar as páginas que os desagradam e a manifestar-se além das impressões de bom e ruim, gosto e não gosto. Duro ofício.
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