22 set Nunca me convidem a um casamento
Vi na televisão um casamento nos ares. Noivo, noiva e juiz pularam de pára-quedas e a cerimônia foi celebrada em descida, com vestido e véu levados pelo vento. O casal será mais feliz porque se une de forma tão bizarra? Não sei. Talvez a façanha conste no livro Guiness de recordes e besteiras, e marido e mulher mostrem aos filhos as fotos da maior realização de suas vidas. Se o casamento durar tanto.
Também soube que já casaram numa cápsula de escafandro, debaixo d’água. E que no Recife, noivos entraram vestidos de passistas, dançando ao som de um frevo. Em outra cerimônia, as alianças chegaram numa cestinha, presa ao pescoço de uma cadela de estimação. Quanto gênio criativo!
O casamento, como tudo o mais nas sociedades midiáticas, virou pretexto para as pessoas se exibirem. É uma indústria complexa, em franca ascensão. A cada dia as empresas casamenteiras, os cerimoniais, inventam novas representações, formas de assaltar o bolso das famílias incautas, que se deixam roubar desde que os filhos casem com algum balangandã diferente e o circo incorpore novos macacos e elefantes.
Há quem gaste tudo o que possui, e até se endivide para impressionar os convidados com demonstrações de riqueza e opulência. Mas a cerimônia, que sempre significou um ritual de iniciação a uma nova vida e era celebrada com poucos familiares e amigos, tornou-se repetitiva, enfadonha, um massacre para os convidados suarentos em paletós quentes e vestidos alugados.
Que tédio! Primeiro, a sauna da igreja, a espera pela noiva, que sempre atrasa. Depois, a fastidiosa fala do padre, os conselhos matrimoniais de quem não sabe as delícias e agruras de uma vida a dois.
Tudo tão repetido: a entrada do noivo com a mãe, do sogro com a sogra, da noiva com o pai. A música mal executada, clássicos populares da revista Caras, que os convidados só escutam em casamentos, pois são mais fissurados em axé e forró.
– Ah, eu quero aquela música que tocou no casamento de Ana Cecília!
– Qual?
– Aquela! Toca no celular de Tiago.
Chamam o irmão, e ele solta os toquezinhos eletrônicos, arremedos musicais. Finalmente encontram uma sonata de Chopin. Pobre Chopin! Por sorte, só o sacrificam na igreja. As bandas que animam as festas possuem um repertório brega, no máximo largam um New York, New York, obrigatório em todo baile. Um terror!
Depois da igreja, a viagem apressada ao bufê de recepção, para pegar uma mesa de pista, mais próxima do dancing e da saída dos garçons. Garantido o lugar na festa, entra-se numa fila interminável de cumprimento aos noivos e seus pais. Volta-se à mesa e começa a torturante convivência com pessoas desconhecidas, colocadas ao seu lado por falta de outro lugar.
A conversa é formal, geralmente sobre o sexo das nuvens ou a inteligência das baleias cinzentas do Pólo Norte. O mais puro surrealismo.
Por sorte, está na hora de você entrar na fila da mesa de frios. Depois, noutra fila para o jantar, invariavelmente um fricassê de frango, com batatas palha e arroz. E mais tarde, a fila dos tentadores docinhos. Na mesa, os desconhecidos já conversam animadamente sobre restaurantes e comidas, elogiam a festa, e falam o que irão almoçar no domingo. Você acha louvável o quanto aqueles senhores de barrigas rotundas, e aquelas senhoras gorduchas que sonham com uma lipoaspiração abdominal se empanturram de comida e bebida. E quase todos forraram o estômago em casa, antes de sair para a festança, pois não resistiram ao rocambole de camarão da sogrinha.
Os padres, ocupados em salvar almas, pouco conhecem de música e deixam passar os repertórios mais extravagantes. Na missa, é possível ouvir uma adaptação da trilha sonora de Paul Simon e Garfunkel, para o filme A Primeira Noite de um Homem. Algum clérigo, que nunca assistiu à película, adaptou a música ao momento do Pai Nosso. Desconhece que no filme ela ilustra uma tórrida cena de sexo. Ah, sábia Igreja! E imaginar que por muitos menos a Inquisição queimava inocentes, acusados de sacrilégio.
Em nenhum detalhe da festa, por menor que seja, descobre-se o gosto da família ou dos noivos. Tudo obedece ao cerimonial, uma instituição tirânica, que faz de Hitler um anjo. Mulheres em vestidos pretos deselegantes movimentam-se sobre saltos altos, falam através de walkie-talkie, dirigem a encenação. Arrumam o vestido da noiva, mandam que ela pare num determinado lugar, dão sinal à orquestra, retocam roupas e adereços.
Mais onipresentes do que essas parcas, só mesmo o batalhão de cinegrafistas e fotógrafos. Afinal, casa-se para quê? Para filmar e fotografar. E, depois, submeter amigos e parentes ao massacre de assistir o mesmo carnaval que já presenciaram ao vivo.
O ingresso para os casamentos compra-se nas lojas onde os noivos deixam suas listas de presentes, quase sempre bugigangas inúteis. É uma forma de pagamento indecoroso. Em alguns casos, os filmes matrimonias possuem carreira curta. Acabam ligeiro. E nem é o homem que separa o que Deus nunca uniu.
Daniel de Albuquerque
Posted at 22:26h, 06 outubroMuito bom, realista.