Paris é um sonho | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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Paris é um sonho

Paris é um sonho

Quando soube que eu viajaria a Paris, um amigo se apressou em mandar-me uma lista de lugares que eu não poderia deixar de visitar: Ile de la Cité, Notre Dame, os Halles, Centre Pompidou, Hôtel de Ville, o Marais, Rive droite, em suma, uma infinidade de endereços. Escolhi vários nomes ao acaso e anotei-os na agenda. Na entrada do hotel, dezenas de folhetos indicavam outros passeios turísticos, viagens de barco pelo rio Sena, excursões ao interior, casas noturnas, restaurantes, bistrôs, shows, museus, teatros etc. e mais etc., muito mais, um verdadeiro massacre.

Embora as leituras do americano Joseph Campbell me convencessem a preferir a catedral de Chartres à de Notre Dame, escolhi a segunda porque ficava a apenas quarenta minutos do hotel, caminhando debaixo de uma chuva fina, num frio de quatro graus, sábado à tarde. Avistei a igreja de longe, com suas torres altíssimas, construídas com a intenção de tornar o homem bem pequeno, infinitamente menor do que Deus. A arquitetura gótica da catedral assusta mais que as gárgulas que a rodeiam para afastar os demônios.

Molhado e com frio, espero numa longa fila a oportunidade de entrar e acolher-me na Casa de Deus. Penso nas igrejas barrocas do Recife com suas paredes caiadas de branco, os tons azul, vermelho e ocre, em meio ao ouro dos altares. O mais apavorante em Notre Dame é a pequenez a que somos reduzidos ao entrar na construção desproporcional, um templo sem acolhimento ou paz, com a frieza da pedra, a sisudez do negro e do cinza, que nem os vitrais coloridos conseguem disfarçar. Tudo é monstruosamente aumentado e o sentimento que nos provoca é de esmagamento e terror. Essa mesma monumentalidade se repetirá por toda Paris, sobrepondo-se ao charme dos edifícios pintados nos tons de ocre, cinza e rosa desbotada.

A onda de visitantes me arrasta por naus, capelas e altares. Resguardados por cordas, alguns fiéis tentam concentrar-se numa missa, enquanto máquinas fotográficas iluminam a escuridão da igreja com o relâmpago fugaz de seus flashes. Não consigo imaginar uma outra função para aquele templo supostamente sagrado que a de expressão de poder da Igreja Católica, assim como foram expressões do poder da monarquia e do império o palácio do Louvre, Versailles e o arco do Triunfo.

Notre Dame é um museu da Igreja Católica, como são museus quase todas as igrejas da Europa. Elas sobrevivem do comércio de velas e lembranças devotas, que os turistas compram menos por fé do que pelo ato social de acender uma vela na Notre Dame de Paris e levar um escapulário para uma tia beata. As igrejas são prédios construídos por arquitetos, artesãos, pedreiros, pintores, entalhadores, marceneiros, artistas de muitos ofícios. Nelas, o que hoje se reverencia é a permanência da obra desses artistas, e muito pouco a presença de Deus.

Felizmente, logo atrás da Notre Dame, existem sorveterias com os sabores mais extravagantes. Tomei um que se chamava “paixão selvagem”. Era delicioso, um lampejo de sabor, como o dos milhões de flashes que pipocam a cada segundo em Paris, nos obrigando a repetir o chavão de que Paris é um sonho, mesmo com o seu gótico humilhante.

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