VOCÊ ESTÁ DESEMPREGADO? Funde um maracatu, currículo | Ronaldo Correia de Brito
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Maracatu Homem

VOCÊ ESTÁ DESEMPREGADO? Funde um Maracatu!

Você está desempregado, cansou de fazer concurso e deixar currículo em empresa? Funde um Maracatu!  É isso mesmo, você leu bem. Funde o seu maracatu, e depois me conte o lucro.

Foi-se o tempo em que os maracatus de baque virado surgiam em comunidades negras de tradição jeje e nagô. Os nomes ainda hoje confirmam a origem dos cortejos: maracatu da nação Elefante, da nação Cambinda Estrela, da nação Porto Rico, da nação Leão Coroado. Reis e rainhas de maracatus tradicionais, além de desfilarem no carnaval, praticavam o culto aos orixás. As calungas, aquelas bonecas carregadas pelas damas de passo, não eram meros adereços. Muitos folcloristas negam, mas elas representavam fetiches das nações africanas, possuíam atributos sobrenaturais e eram guardadas nos quartos dos santos, os pejis.

A classe média que até poucos anos atrás torcia o nariz para a religião e as brincadeiras de “gentinha”, e ainda hoje não sobe morro nem desce córrego para conhecer o batuque no seu ambiente natural, resolveu criar as cópias dos maracatus – as estilizações, como preferem chamar. Um fenômeno meramente comercial, sem vínculo profundo com a cultura, de qualidade estética duvidosa. Uma diversão que rende dinheiro, não importa se a calunga é apenas uma boneca de plástico, comprada numa loja de R$ 1,99.

A cultura popular serviu de inspiração aos músicos eruditos no romantismo e em movimentos nacionalistas, como o russo. No Brasil, ela se manteve relativamente imune às ditaduras, aos modismos, mas cambaleia aos bombardeios da mídia. Apesar dos temores de Mário de Andrade de que algumas brincadeiras desaparecessem, a cada dia surgem novos grupos de brincantes. Não me acusem de querer a cultura popular estagnada. Não serei como Gilberto Freyre, que sugeriu manter-se um contingente da população analfabeta para não esgotar o celeiro de criação.

Sempre haverá transformações positivas: a música de maracatu tomou novos formatos no Armorial, no Mangue-beat, e no Cordel do Fogo Encantado. No batuque das nações tradicionais, surgiram as presenças de mulheres, estrangeiros e brancos. Mas a grande transformação é a do brinquedo em empresa, em resposta a uma demanda de mercado. As nações mais antigas também quiseram auferir lucros, ganhar espaços de apresentação, fazer viagens pelo Brasil e exterior. Tudo o que os maracatus estilizados, na maioria de classe média, conquistavam.

Um xamã do Amazonas duvida dos poderes de cura de sua medicina, porque ela não rende dinheiro como a medicina do branco. Os maracatus nascidos nos terreiros agora viajam por Europa, França e Bahia, gravam cds, dvds, e cobram para se apresentar. Mestres que tocavam a rabeca e brincavam na folga dos serviços pesados, correm atrás do prejuízo. Raciocinam assim: se a imitação ganha dinheiro, eu também quero ganhar. Fazem cursos de marketing empresarial e confecção de projetos. O nome brinquedo já não corresponde à realidade. No seu lugar, empresa. Ao invés de brincante, artista, trabalhador.

E os maracatus, que se apresentavam apenas em ruas e terreiros das casas-grandes de engenho, hoje ocupam os palcos e os salões, fazendo a burguesia saracotear como qualquer baiana.

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