31 jan Os livros pedem silêncio
Os livros pedem silêncio para escutarmos as vozes que falam neles. Há barulho em excesso, ameaçando calar personagens de romances, contos, novelas e peças de teatro. Algumas vozes parecem sussurros, de tão delicadas. Como ouvi-las, com tanto barulho? Os poemas dos chineses Li Po e Tu Fu, traduzidos por Cecília Meireles, parecem água correndo nos regatos ou folhas arrastadas pelo vento, em noite de lua cheia. Como ouvi-los, com tanto barulho? Mesmo os cantos elétricos de Walt Whitman são abafados pelas caixas sonoras repetindo anúncios e comerciais. E o “Son de negros em Cuba”, na voz de Federico Garcia Lorca – calor branco, fruta morta, curva de suspiro e barro –, emudecem em meio à algazarra.
O silêncio é aonde resvalam ecos e vales, diz um verso do poeta andaluz. Os escritores necessitam dele para ouvirem suas próprias vozes e se fazerem ouvir. Porém tudo conspira contra o silêncio e ninguém presta atenção em quem escreve, lê poemas ou conta histórias. Muitas vozes falam alto nos microfones, os tambores percutem o couro e as festas para os livros ameaçam transformar-se em carnaval e show.
Dizem que o filósofo grego Demócrito de Abdera arrancou-se os olhos para desse modo pensar melhor. Como poderemos pensar em meio ao barulho? Os ruídos embotam os pensamentos, nos tornam surdos à voz que brota dos livros. Por favor, façam silêncio e ouçam o que os livros desejam falar. Já existem festas em excesso, três meses de carnaval, shows para milhões, jogos de futebol, rádios, televisões e aparelhos de som ligados. Quando o livro pedir silêncio, uma pausa em meio ao caos sonoro, por favor, silenciem. Um minuto que seja, o mesmo que oferecem em reverência aos mortos.
Mas os livros não morreram ainda, juro. Eles teimam em continuar vivos e pulsantes. Porém se ninguém fizer silêncio para que eles falem, calarão de vez.
Nem é preciso o silêncio absoluto das pedras, da poesia de João Cabral. Basta um silêncio com menos aridez. Silêncio de escutar em silêncio a música das palavras, o engenho dos artistas, o ritmo das estrofes e parágrafos na sua música plena, sem acompanhamento de tambores, caixas ou gonguê. Silêncio para ouvir os que trabalham calados e um dia resolvem falar de voz viva: os escritores e poetas.
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