26 jun Sérgio Moro “Rei do Brasil”
As revelações do jornalista Glenn Greenwald, fundador da Intercept, expuseram o lado sombrio e prevaricador do homem mais poderoso do país, o atual ministro da justiça, ex juiz supremo e parcial da força-tarefa da Lava Jato, Sérgio Moro. O poder e o absolutismo aos poucos foram corrompendo quem se apresentava como a esperança na Justiça e o fim da corrupção. Muitos, por cegueira e por não suportarem a verdade, continuam teimando em se agarrar à crença do Super-Homem, apesar de todas as provas e evidências ao contrário.
Os gregos acreditavam que quando a ordem do mundo era ferida por algum ato criminoso, instalava-se o caos. Também acreditavam que a ordem só seria restabelecida pela consciência e expiação do crime cometido. Esse modelo simples serviu para a criação do estado democrático e deu origem, no teatro, à tragédia. Sugiro aos leitores desse blog que larguem um pouco o WhatsApp, os enfadonhos e mentirosos noticiários da TV, as entrevistas e os debates e leiam “Édipo Rei” de Sófocles, buscando comparações com a tragédia política em que mergulhamos.
Todos conhecem o mito que serviu de modelo para a psicanálise freudiana. Mesmo assim, vamos relembrá-lo. A seca e a peste arrasavam Tebas, e o Oráculo de Delfos foi consultado. Segundo o oráculo, um crime hediondo fora cometido, e os males só findariam quando o culpado fosse identificado e punido. A peça se inicia com a fala de Édipo aos cidadãos, que chegam ao palácio suplicando pela cidade. No passado, uma esfinge dizimava a população de Tebas. Ela propunha um enigma e matava quem não o decifrasse. Édipo havia decifrado a Esfinge e salvara o país. Mas agora, ele ignora quem seja o criminoso responsável pelas calamidades que novamente assolam cidade-estado. Julga-se inocente, isento de qualquer culpa.
Convencido de que não é responsável pelo mal, dirige-se aos tebanos:
– Meus pobres filhos, eu sei bem demais o que vos traz aqui e o que esperais. Sofreis e eu também sofro: minha dor excede a vossa, seja ela qual for. Vossa dor vos aflige a um por um; eu, entretanto, sofro ao mesmo tempo pelo país e por vós e por mim…
Édipo mostra-se compassivo, mas à medida que os acontecimentos fogem ao seu controle enreda-se no que fala, exalta-se e cria armadilhas para si mesmo. Ignora ser o autor dos delitos que trouxeram a desgraça para o reino.
Nas peças de Ésquilo e Sófocles, o herói trágico cumpre a ação traçada pelo destino, mesmo que ela exceda o seu discernimento e querer. Resta-lhe unicamente acatar o que estava escrito, e pela consciência do ato trágico, refazer a si e ao Cosmo.
Apresentemos Tirésias, um cego adivinho que conhece a desgraça do rei, mas prefere calar. Trazido à presença do soberano, ele se nega a dizer o que sabe, no intuito de poupar ao rei e a si mesmo. Depois de sofrer muitas ameaças, finalmente confessa que Édipo é a maldição que pesa sobre Tebas, e afirma:
– Sobre tua cabeça pende o anátema que teus lábios lançaram!
Édipo não acredita nas palavras do vidente. Apoiado na teoria conspiratória, afirma que Tirésias e Creonte, irmão de sua esposa Jocasta, conspiram para depô-lo do trono. Esse ardil continuará em uso pelos governantes, ao longo da história. Édipo sofre de um excesso de confiança em si mesmo e na credibilidade do povo. Mas Tirésias, depois de tentar poupá-lo, é possuído do furor dos adivinhos, e o fustiga sem piedade. Revela que foi ele quem assassinou o pai, casou com a mãe e com ela teve quatro filhos, assumindo o trono paterno.
Ah, o destino! No Brasil, a tragédia se revela nos grandes embates sociais, em massacres como o de Canudos ou Carandiru. Para as nossas crises políticas, encontramos sempre fugas melodramáticas. O corte trágico implica na apuração rigorosa do crime e na punição dos culpados. Édipo procura um criminoso, chega a si mesmo, fura os olhos e se exila. Há centenas de anos, é esta a função da tragédia: ferir, punir, restabelecer. Se não cumprirmos a ordem cósmica, teremos um final rocambolesco, uma ópera bufa com brasileiros nas ruas, agitando cartazes como os tebanos agitavam ramos, recitando em coro para o rei nu Sérgio Moro:
– As águas dos rios todos da terra
talvez não bastem para lavar a imundície
desta Casa – tamanhos são os males
já mostrados, e os mais que se há de mostrar,
premeditados, não ocasionais…
E agora, ó nosso glorioso Rei,
é a ti que recorremos, suplicantes,
para que nos descubras um remédio,
seja por nova inspiração divina
ou pela tua experiência humana,
pois o homem que antes agiu bem,
depois, só poderá dar bons conselhos.
Salva a cidade, ó melhor dos mortais!
… Não deixes que lembremos teu reinado
como o que nos chegou a levantar
para adiante nos deixar cair!”
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