Escrever para quem? | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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Escrever para quem?

Amigos me deram os parabéns pelo dia do escritor. Existe essa data? Ah, não sabia. Fui ao Google e encontrei: No dia 25 de julho comemora-se o Dia Nacional do Escritor, data instituída em 1960 pelo então presidente da União Brasileira de Escritores, João Peregrino Júnior, e pelo seu vice-presidente, o célebre escritor Jorge Amado.

Aproveito e faço algumas reflexões sobre o ofício.

Escrever para quem? 

 

Escrever um livro é atravessar um extenso deserto. Durante a escrita, a impressão é a de que, depois do ponto final, nos espera um oásis com tâmaras e fonte de água fresca. Engano. Há um deserto ainda mais árido por vencer. E sem as miragens da criação.

O sul africano J. M. Coetzee queixa-se de personagens que carregamos às costas como fardo, durante meses, às vezes anos. Alguns romancistas foram heroicos carregadores: Balzac, Tolstói, Dostoievski, Thomas Mann… José Saramago aguentou o peso até a velhice. Outros se desgastaram bem cedo. Tchekhov morreu com apenas quarenta e quatro anos e, nesse curto tempo, escreveu quinhentos contos.

William Faulkner referia um nervosismo atento para que os personagens que passavam por ele ligeiros, escorregadios, não fossem embora sem registro. É necessário escrever sem parar, senão as miragens desaparecem. Igual aos sonhos, de que lembramos apenas fragmentos a que damos ordem narrativa, preenchendo com nossa invenção os hiatos da memória.

O escritor carioca Paulo Roberto Pires viveu uma longa abstinência da escrita. Durante conferência no Recife, perguntou à plateia se precisamos escrever um livro. Parece que não é necessário, segundo ele. Mesmo assim, persistimos, nem que seja para alimentar o mercado das editoras. Ou por sobrevivência emocional e financeira. Dostoievski viveu alucinado e na miséria, escrevia para que o maior número de pessoas lesse os seus livros. Precisava de dinheiro e chegou à façanha de produzir 18 páginas numa noite.

Nietzsche afirma que a doença leva ao estado criador.  São as situações de exceção que condicionam o artista, todas as situações profundamente aparentadas e entretecidas com sintomas doentios, fazendo parecer impossível ser artista sem ser doente. A doença levaria ao conhecimento.

Mas é preciso enxergar uma função prática na literatura, atribuir-lhe valor real, como fazemos com o trabalho de marceneiros, pedreiros, encanadores e eletricistas. O pintor italiano Giotto trabalhava com uma corporação de ofício: artesãos em douramento, pintura de pés, mantos, fundo azul de céu, pessoas simples como os caiadores de paredes, mais preocupadas com a subsistência do que com a sobrevivência da obra.

No Brasil, Alfredo Volpi começou executando murais decorativos.

Os afrescos de Michelangelo, Rafael e Botticelli para a Capela Sistina não têm menos qualidade porque foram pintados por encomenda, a troco de um pagamento. A modernidade, ao mesmo tempo em que cobra a assinatura do artista, que gera um mercado de produção, que atribui valores baixos ou exorbitantes para as obras de arte, costuma glamourizar o ato criativo, inventando uma aura de transcendência ou danação para os criadores.

O deserto que se segue à criação decorre do medo de ter escrito para ninguém, de não ser lido. Talvez por temor a esse castigo, Kafka exigiu que seus livros fossem queimados, já que poucos se interessaram em lê-lo, enquanto viveu. E por que alguns artistas de sucesso, aplaudidos pelo público, experimentaram uma frustração semelhante?

O deserto espreita o criador antes, durante e depois do ato de criação.

Para o artista não existe sétimo dia, nem descanso.

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