07 mar Os adolescentes nazistas do Colégio Santa Maria, no Recife
O título soa forte e apelativo. Mas foi estampado dessa maneira em jornais,
noticiários de rádio e tv, blogs e outras mídias. Os adolescentes entre 16 e
17 anos do Colégio Santa Maria, em Boa Viagem, no Recife, ganharam
notoriedade, embora tenham os rostos censurados por serem menores. As
mãos para o alto numa saudação nazista, os corpos rígidos e perfilados não
sofreram censura. A postagem na Internet foi apagada, porém o mal
confesso já havia se alastrado.
O Colégio Santa Maria foi fundado como Instituto em 1956, pela
proprietária e diretora Maria das Dores Muniz de Melo, uma católica
conservadora, espécie de generala autoritária e moralista. Simpatizante do
Golpe Militar de 1964, Maria das Dores colocava seu colégio para desfilar
nas comemorações do 7 de setembro, incutindo sentimentos nacionalistas e
elitistas numa geração de jovens estudantes.
No ano de 1972, quando se comemorou o sesquicentenário da chamada
Independência do Brasil, os militares festejaram a data de maneira
espalhafatosa. Para lembrar a história burlesca, rodaram um filme canastrão
– Independência ou Morte – com Tarcísio Meira e Glória Meneses nos
papéis de D. Pedro I e Dona Leopoldina. O Santa Maria desfilou pelo
centro do Recife com os seus alunos, em meio a estardalhaço, carros
alegóricos e figuras carimbadas. Como se não bastasse a declaração de
apreço ao regime de exceção, o colégio foi escolhido entre os colégios do
estado para representar Pernambuco em São Paulo, durante as celebrações
dos 150 anos do “Ipiranga”. O senador Humberto Costa, na época um
aluno adolescente do Santa Maria, foi expulso do colégio por conta de uma
redação que escreveu, questionando e negando a “Independência do
Brasil”.
Nenhum comportamento humano nasce do nada, por geração espontânea.
No filme “A fita branca”, de Michael Haneke, começam a acontecer fatos
estranhos e perversos, num vilarejo no norte da Alemanha, levantando um
clima de desconfiança geral. Descobre-se que os envolvidos nas maldades e
crimes são adolescentes e crianças, alunos de um professor primário. O
filme nos leva a refletir sobre a semente do mal plantada nesses jovens,
algo que se transformará, anos depois, num mal bem maior, o nazismo.
A brotação de flores nazistas no corpo do Colégio Santa Maria não é um
caso de geração espontânea, mas de florescimento em solo fértil. Falecida
em 2010, com 94 anos, a diretora Maria das Dores Muniz de Melo semeou
a pedagogia da intolerância e do preconceito pelas minorias, do
autoritarismo, de um catolicismo retrógrado, medieval, simpatizante do
militarismo e da bajulação ao poder e à riqueza. Caridade, piedade e falsa
compaixão, disfarces do catolicismo sem Cristo, podem até camuflar o mal,
mas não evitam que um dia ele se manifeste.
E manifestou-se às claras, em sala de aula, dez anos depois de morrer a
semeadora de fascismo, numa cidade mestiça que se orgulha de sua
urbanidade, de ter proclamado liberdade de culto durante a ocupação
holandesa. Mas que é socialmente desigual, vive um apartheid entre pobres
e ricos, miseráveis e remediados, negros e brancos herdeiros do
colonialismo.
Quem é responsável por incutir nesses garotos ideias que há bem pouco
tempo nos levaram ao caos e à destruição, ao massacre de milhões de
judeus, ciganos, comunistas, homossexuais, deficientes e outras minorias?
Os pais? A escola? A sociedade? As mídias? O Estado?
O Estado, também.
A cada dia constatamos horrorizados o posicionamento do governo Jair
Bolsonaro e de seus apoiadores a favor das piores ideologias e políticas,
entre elas o nazismo. Lembramos o caso recente do secretário especial da
cultura, Roberto Alvim, repetindo pose e discurso com trecho quase
idêntico ao de Joseph Goebbels, ministro de Adolf Hitler, durante a
Alemanha nazista. Fatos como este se repetem às dezenas, tornando-se
lugar comum o que deveria ser uma exceção criminosa.
– Se eles podem, nós podemos. Se eles não sofrem punição, por que
seremos punidos? Se a Justiça fecha os olhos a tantos crimes, por que
abrirá para nós? Poderia ser a defesa dos onze adolescentes. No caso de
Roberto Alvim, ele apenas perdeu o cargo de secretário, e não sofreu
nenhuma sanção. Num país onde apenas pobres e negros são punidos e
mortos, brancos e ricos crescem acreditando que tudo podem, os pais, a
escola e o Estado passarão a mão em seus cabelos lisos.
Seria bom que os mais próximos refletissem sobre a atitude desses garotos,
tentassem conversar com eles, orientá-los sobre a história. Será que eles
sabem o que foi o nazismo? Será que já ouviram falar em Auschwitz? Ou
acreditam que a terra é plana, descendemos de Adão e Eva e que nunca
aconteceu Holocausto?
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