23 ago II – A Igreja Católica permanece castrando
Diário do isolamento 29
(domingo, 23 de agosto)
[Continuação]
II – A Igreja Católica permanece castrando
“Infelizmente, Recife está criando fama de ‘capital do aborto’”. As palavras são de Dom Fernando Saburido, arcebispo de Olinda e Recife, que senta na cadeira onde sentou Dom Helder Câmara. Ele se refere à menina de dez anos, estuprada pelo tio, que veio do Espírito Santo para nossa cidade, depois de ser recusada por outros centros médicos. Felizmente, temos profissionais éticos, humanos e corajosos. E, neste caso, a Justiça funcionou. Dom Saburido menciona outra história, ocorrida algum tempo atrás, quando uma menina de nove anos, também estuprada e grávida de gêmeos, teve a gestação interrompida, sob protestos e clamores de religiosos.
Nos depoimentos de padres, bispos e arcebispos sobre o caso atual, é difícil escolher o mais chocante. E não menciono ministra nem deputada, nem os fiéis católicos que se postaram de terços nas mãos, em frente à maternidade onde seria realizado o procedimento, tentando impedir a entrada da vítima e gritando “assassina”.
Em nota, o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB (sim, ela mesma, que no passado uniu-se aos que lutavam contra a ditadura militar), dom Walmor de Azevedo, qualificou o aborto de “crime hediondo”, equiparando-o ao estupro. Mais radical, Dom Saburido classificou o estupro praticado pelo tio da menina de “grave” e o aborto de “gravíssimo”.
Mas nada se compara à postagem do padre Ramiro José Perotto, de Carlinda, MT, em sua página no facebook. Ele escreveu: “Você acredita que a menina é inocente? Acredita em Papai Noel também. Por quatro anos não disse nada. Claro que estava gostando. Ela compactuou com tudo e agora é menina inocente. Gosta de dar, então que assuma as consequências”. Esse é o ponto de vista do padre de uma Igreja afundada em escândalos de pedofilia, sobretudo com meninos, que não engravidam.
O abuso de menores é prática corriqueira no catolicismo. Em 1589, a bula do Papa Sisto V permitiu a inclusão de quatro castrati no coro da Basílica de São Pedro, abandonando a decisão do conselho de Nicéia, que proibia a castração de crianças com o fim de manter suas vozes angelicais. Pela santa hipocrisia da Igreja, qualquer pessoa que tivesse algo a ver com a castração, seria excomungada. Mas não faltavam meninos castrados para os coros da Capela do Papa, porque as necessidade musicais prevaleciam sobre a proibição.
Numa barbearia de Roma, uma placa anunciava: “Castram-se cantores para o coro da capela papal”. Calcula-se que só no século XVIII, uns 4.000 meninos italianos foram castrados com esse fim. O papa Benedito XIV mencionou a decisão do Concílio de Niceia, que tornava ilegal a castração. Mas o apelo da música assumira tamanha importância nas cerimônias religiosas, que em 1748 ele rejeitou a sugestão dos bispos de proscrever os castrati, temendo que as igrejas ficassem vazias. Os castrati continuaram a cantar até começo do século XX nos coros das igrejas italianas, na Basílica de São Pedro e na própria Capela Sistina.
Na cidade do Crato, onde morei, havia uma casa em ruínas, antiga residência de uma família de leprosos. Ao passarem em frente a ela, as pessoas desciam a calçada e paravam de respirar, com medo do contágio. Acho que vou fazer o mesmo quando passar em frente a uma igreja.
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