05 ago Quanto tempo perdido com o jornalismo político
Ao invés de torrar a paciência com noticiários políticos na televisão, prefiro ver bons filmes. Assisti novamente Ran, do diretor japonês Akira Kurosawa. Poucas vezes os roteiristas e diretores de cinema conseguem adaptar romances, ou peças de teatro, à altura dos originais. Para o americano Harold Bloom, um especialista em Shakespeare, o japonês Kurosawa é uma exceção. Ran, filme baseado em Rei Lear, possui a mesma grandeza da tragédia do poeta inglês. Bloom recusa todas as outras adaptações. Eu sou mais generoso e considero o Rei Lear de Peter Brook, com o ator Paul Scofield, um filme perfeito. E também gosto de Romeu e Julieta e d’A Megera Domada, do italiano Franco Zefirelli.
Outro dia alguém me espinafrou, dizendo que eu uso muitas palavras, tentando parecer erudito. Também recebi dezenas de mensagens, depois que publiquei uma crônica sobre o vazio que se segue aos debates políticos. Leitores me davam os parabéns, outros me jogavam tomates podres e ovos estragados. Igualzinho se fazia no teatro, quando o espetáculo era ruim.
Confesso que prefiro escrever sobre literatura, música, cinema, artes plásticas, teatro e dança, menos surreais que a política brasileira. Mas vez por outra caio na tentação e dou um palpite sobre ela, ninguém é de ferro nem vive alheio à realidade que nos cerca. O homem é um animal político, dizia Aristóteles.
A peça que o diretor japonês adaptou para o cinema trata da luta pelo poder. O Rei Lear divide o reino entre as duas filhas mais velhas, que lhe juram fidelidade e amor, e expulsa de sua presença a filha mais nova, que fala com sinceridade dos sentimentos pelo pai ancião. A discórdia se instala entre as irmãs herdeiras e seus esposos, Lear é traído, e no final todos matam ou morrem disputando o reino.
Voltei ao tema da política, o poder. Só que prefiro examiná-la nos textos clássicos, desde os antigos. O homem é sempre o mesmo, em qualquer lugar. Por isso um japonês compreende tão bem Shakespeare e eu compreendo melhor o Brasil lendo Shakespeare ou Sófocles. É mais fácil interpretar os acontecimentos de hoje à luz da história. Ou estudando literatura.
O político que vai à televisão nunca fala sério, mente com orientação de marqueteiros. O que importa é a imagem, é ela que garante o sucesso, se for corretamente usada. A maioria das pessoas que vê televisão não se interessa em analisar o que os candidatos falam e prometem. Uma maneira de desorientá-las ainda mais é enchê-las de números incompreensíveis, cifras de milhões e bilhões. Ao invés de discutir planos de saneamento básico, mais fácil é prometer a construção de não sei quantos hospitais. Mesmo que não sejam prioridade e o projeto nunca saia do papel. Parece que todos precisam de uma falsa concretude, que na verdade é a mais pura abstração.
Vejo filmes e leio peças, no horário dos jornais. No Édipo Rei, do grego Sófocles, acontecem crimes em Tebas. A população exige que eles sejam apurados e o criminoso punido. O rei, no curso da ação teatral, investiga os crimes e pune o culpado, ele próprio.
O teatro foi escrito como representação do gênero humano, dos erros e acertos dos homens. A principal função do teatro é servir de exemplo. Os políticos não leram quase nada e ignoram o essencial sobre os homens.
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