Sobre a minha escrita | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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Sobre a minha escrita

Diário do isolamento 32
(quarta-feira, 09 de setembro)

Não escrevo memórias, nem auto ficção. As pessoas insistem em achar-me parecido com Adonias, de Galileia, Cirilo, de Estive lá fora, e com Francisca, de Dora sem véu. Não sou nenhum deles, embora narre na primeira pessoa.

Perguntaram a Isaac Bashevis Singer: “Por que você escreve sobre ladrões judeus e prostitutas judias?”. E ele respondeu: “Querem que eu escreva sobre ladrões espanhóis e prostitutas espanholas? Eu escrevo sobre os ladrões e as prostitutas que conheço”. Nasci e vivi no sertão dos Inhamuns. Morei anos no Crato, cidade do Cariri cearense, cercada de sertão por todos os lados. Depois vim residir no Recife, para onde convergiram e ainda convergem sertanejos do Nordeste.  Qual a paisagem física e amorosa que me habita por dentro e por fora? O sertão. Em qualquer lugar por onde eu viaje, o sertão me acompanha. Mesmo escrevendo sobre Berkeley ou Toulouse, a memória do sertão é inevitável porque ele está em toda parte, como disse Guimarães Rosa.

Andei falando que tenho um projeto literário. Dizer o mesmo, hoje, soaria falso. No romance Estive lá fora, o personagem Cirilo se movimenta em meio à violência e ao medo que reinavam durante a ditadura militar. Ele pensa sobre o irmão Geraldo, um ativista político, e em como ele poderá ser morto. O texto é um delírio sobre a escrita: “…imagina esse final como um presente que está além e é remoto, que o espreita no ônibus, nas ruas, nas pontes, despercebido, mas inesquecível. Ele cruza uma linha incerta que sabe existir no futuro, em meio ao nevoeiro ou aos destroços da cheia. Semelhante a se estivesse sonhando, tudo parece absurdo, impossível de acontecer”. Dessa maneira surgem narrativas, sem forma definida, espreitando em algum lugar.

Prefiro escrever sobre mulheres, embora isso tenda a ser desautorizado aos homens, nos tempos atuais. A escolha preferencial por personagens femininos é afetiva. Tive mulheres fortes, corajosas e sensíveis ao meu lado, mulheres que amei e me deram o prumo na vida. Olho bastante os homens, mas eles me escapam, ou nem sempre sou capturado por eles. As mulheres eu as sinto com intimidade, elas me chegam mais perto, mas isto não se dá de um modo exclusivo. Tenho diversos personagens masculinos, eles até predominam numericamente em meus contos, romances, crônicas e teatro. 

Fui criado na tradição católica até os dezesseis anos, quando saí de casa para estudar em Fortaleza e decidi não assistir a missas, não me confessar nem comungar. Ou seja, rompi com a Igreja, para desgosto da família. Recebo influência da religião no que produzo. Meu teatro lembra procissões de rua, autos sacramentais, representações da Semana Santa. São sugestões estéticas, formais, de linguagem cênica. Permaneço atento e crítico aos danos causados pelo cristianismo, como aconteceu durante a colonização da América Latina. Nem por isso deixo de celebrar o Menino Deus, num auto natalino.

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