Se todos tivessem memória de elefante | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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Se todos tivessem memória de elefante

Começou a temporada de caça aos patos.

Ingênuos, eles nunca aprendem a lição e deixam-se abater pelos mesmos caçadores e suas velhas armas. Atraídos por migalhas, caem nas armadilhas de sempre.

São patos.

Voam em bando, enfileirados no céu, lindos contra a luz do sol. Descem à terra para o descanso noturno e satisfazem necessidades simples: comer e beber água.

Incautos, nem lembram o chumbo que levaram em anos anteriores.

Os patos nasceram patos e é mentira do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen que eles aspiram um dia se tornar cisnes. Pato adora ser pato, desde a criação do mundo. Antigamente, os caçadores os abatiam com pedras arremessadas de fundas ou baladeiras. Vieram as flechas, as lanças, os cães adestrados e, por último, as armas de fogo. Ah, a pólvora! Desde que os chineses a inventaram os patos não tiveram mais sossego.

Existirá criatura de Deus mais burra do que um pato?

Nem mesmo o burro. Quando você olha para o céu e avista a fileira bonita, um desenho de nanquim preto contra o fundo vermelho do sol, imagina que são donos do próprio destino e sabem porque batem as asas com tanto esforço. Grasnam, ao pousar no chão, numa algazarra que só os patos fazem. Mas não cuidam que estão sob a mira do inimigo. Pato tem memória fraca, não é como o elefante, esquece logo o que fizeram com ele ou com algum dos seus parentes. Olham as migalhas jogadas aos seus pés e acreditam que dessa vez será diferente.

Grasnar é um verbo para referir a voz dos corvos e patos. É um som irritante como o dos trios elétricos da Bahia, aqueles que saem no carnaval de fevereiro e no carnaval das eleições. Os patos deixam-se levar pela estridência dos discursos, pelo embalo das promessas e por camisas de malha e alpargatas que atiram para eles de cima dos trios. Fazer o que? Nasceram mesmo para voar em bando, um atrás do outro, sem pensar em nada e sem perguntar por nada.

Pato gosta de ser pato.

Quando agitam bandeiras ou exibem retratos em tabloides os patos dançam e se animam, esquecidos do passado mais recente, de caçadas e falcatruas. O grasnado que emitem chega a ser mais alto que o tiroteio zunindo por cima de suas cabeças e chamuscando suas asas.

Fazer o que, se pato gosta de sair atrás de trio elétrico?

A temporada de caça se repete de dois em dois anos.

Sempre.

É um salve-se quem puder, saraivada de chumbo fino e grosso. Os caçadores ricos têm poder de fogo, armas de maior alcance. São os que abatem mais patos. Também pudera, com tantos retratos e bandeiras, chamadas na televisão, abraços em crianças e velhos, retórica de caçador matreiro… A tantos apelos e ciladas, não há pato que resista.  As arapucas fazem a farra e os corvos riem dos patos.

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