10 nov O que fazer com a cabeça torta?
Dizem que o achado entre os cearenses de uma doença neurológica chamada impressão basilar, que acomete a transição do crânio para as vértebras, é herança judaica. Será verdade? Chegaram tantos cristãos novos ao deserto cearense? Isso explica a aparência de que nossas cabeças estão sentadas sobre os ombros, o que serviu de chacota até mesmo a Pedro Nava? Apregoam as más línguas que a todo cearense sobra tamanho de cabeça e falta pescoço. É mentira. Basta olhar uma foto do ditador Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco e, infelizmente, constatar a verdade.
Recuso a explicação de que sofro de impressão basilar ou invaginação basilar por conta dos meus genes semitas. Não culparei minha genética pelo sofrimento cervical, pelas dores, tonturas, perda de equilíbrio e zumbidos permanentes nos ouvidos. A única culpada disso tudo é minha mãe, que assumiu uma dívida com São Francisco de Assis em meu nome, quando eu tinha apenas dezoito dias de nascido.
Eu não passava de um inocente, que o irmão mais velho, tomado de ciúme bíblico, tentava matar. Para livra-me do Caim fratricida, a ardilosa mãe armou bem alta a rede em que eu dormia. Mas não tão alta que o demoniozinho deixasse de alcançar, me derrubando no chão de tijoleiras da casa. Dizem que permaneci horas sem choro, me consideraram morto. Notaram um detalhe mórbido, que meu pescoço e a cabeça haviam entortado para um lado.
Depois de tentarem todos os remédios caseiros e o último recurso da aguardente alemã, mamãe, devota de São Francisco, prometeu o seguinte: quando eu completasse 21 anos, vestiria o hábito marrom dos franciscanos, mandaria esculpir em madeira um pescoço e uma cabeça torta, iria descalço à cidade romeira de Canindé, no Ceará, daria esmolas aos pobres e deixaria o ex-voto e o hábito aos pés do santo.
Nunca paguei a promessa e Ele me castiga até hoje. Gasto fortunas com fisioterapeutas e neurologistas e vez por outra me deito no sarcófago da ressonância magnética. Em vão. O Santo não larga o meu cangote. Ou pago o que devo ou ele me castiga. Considerando meus 69 anos, devo 48 anos de juros, num país com as taxações mais altas do planeta. Terei de vender o apartamento onde moro ou pedir um amortecimento da dívida.
Será que São Francisco me concede? A julgar pelos escândalos do Banco Vaticano, estou ferrado.
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