O eterno modelo de sociedade escravocrata | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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O eterno modelo de sociedade escravocrata

“Não se estuda o escravismo sem emoção e sem um sentimento de vergonha e remorso. Embora a escravidão seja quase tão antiga quanto o homem na história e esteja presente no desenrolar de quase todas as culturas, é com extrema dificuldade que conseguimos estudá-la como algo que ficou no passado e lhe pertence completamente. A ela se aplicaria a afirmação de que não há história que não seja contemporânea, pois com a régua dos sonhos do presente medimos os sucessos que narramos.”

O texto acima é do prefácio escrito por Alberto da Costa e Silva para o Dicionário da Escravidão e Liberdade, organizado por Lília M. Schwarcz e Flávio Gomes. Um livro que precisa ser lido por todos os brasileiros, adotado nas escolas e universidades, até que compreendamos o que significou para os povos indígenas e, sobretudo para as nações africanas, mais de 300 anos de escravismo.

Depois de ler os 50 ensaios críticos e os prefácios que os antecedem, não é mais possível negar a nossa dívida com indígenas e negros formadores da nação brasileira. Para os que se orgulham de uma possível origem branca é bom saber que até o ano de 1850, os cálculos mais modestos dão um total de 4,8 milhões de africanos desembarcados no Brasil, e 2,43 milhões de índios ocupando o solo brasileiro, à época da chegada dos primeiros colonizadores. No que concerne aos portugueses, chegaram apenas 750 mil indivíduos, entre 1500 e 1850.

Com esses valores, é difícil compreender como 7,1 milhões se sujeitaram a 750 mil. Mas esse é um dos muitos enigmas do colonialismo. O que se torna evidente é que somos na maioria descendentes de africanos e índios. E que o modelo de sociedade escravocrata se manteve após 1888 – data da suposta libertação dos escravos – e permanece até os dias de hoje. 

Para completar seu mergulho no tema do escravismo nas Américas, sugiro que assista ao filme Roma, do mexicano Alfonso Cuarón. Encontra-se disponível apenas no canal Netflix, que o produziu e, por isso, foi recusado no Festival de Cannes, por não ter distribuição nos cinemas. Mas ganhou o Leão de Ouro de melhor filme, no Festival de Veneza.

Roma é um bairro de classe média na cidade do México, onde se passa a história. Uma família branca formada por um pai, uma mãe, quatro filhos e uma avó é servida por duas empregadas descendentes de índios. Com bastante sutileza, Alfonso Cuarón nos leva a perceber em que lugares e em que funções continuam os antigos donos da terra, transformados em escravos com a chegada dos espanhóis. Obra prima este filme.

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