A rainha sem coroa | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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A rainha sem coroa

Quando a história aconteceu, dona Madalena era rainha do Indiano, e dona Santa reinava absoluta no carnaval do Recife, como última rainha coroada, segundo a tradição dos reis de Congo. Os colonizadores brancos criaram esse ritual no século XVII e o objetivo é bem fácil de adivinhar. Desejavam manter os escravos agregados em torno das “majestades” e de uma corte eleita por dois anos, em tudo semelhante às cortes europeias. Com isso evitavam a insubordinação e as fugas. Os reis e rainhas dos negros eram coroados na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, por um padre ou bispo católico, na presença de autoridades políticas. Após a solenidade, desfilavam pelas ruas da cidade, seguidos de cortejo e batuque. Essa é a origem mais provável do maracatu, que terminou achando lugar no carnaval, como tudo em Pernambuco.

O reinado de Santa começou no Leão Coroado. Dizem que ela assumiu o Elefante para substituir a mãe, que morrera, ou porque se casou com o dono do Maracatu. Ninguém sabe ao certo. O que todos afirmam é a sua imponente majestade. Madalena, antes de ser rainha do seu próprio maracatu, dançara na corte de Santa. Espalharam que as duas não se gostavam, o que não sei se é verdade. Além das disputas entre maracatus, que às vezes terminavam em pancadarias e mortes, Madalena nutria um despeito contra Santa, porque não fora coroada oficialmente. A Igreja Católica, que sempre estivera a serviço do poder instituído, recusava-se a fazer novas coroações. Santa era, portanto, a única rainha de direito. Só ela, além de padres e bispos, poderia coroar uma sucessora.

Costumavam celebrar o aniversário de dona Santa, na sua residência em Ponto de Parada, com o fausto devido a uma rainha. No ano em que a história se passa, convidaram caboclinhos, blocos, troças, alguns maracatus, mas não chamaram o Indiano, nem Madalena. As duas mulheres, poderosas no meio do seu povo humilde, eram também ialorixá, mãe de santo, com uma legião de filhos e mães pequenas. Santa, pelo costume de trajar sempre a cor branca, seria filha de Orixalá e naturalmente calma. Mas não tenho certeza. Madalena era filha de Ogum, orixá dos ferros e da guerra, recebia uma corrente forte, de determinação e luta. Juntou o povo da sua corte e comunicou que todos iriam à festa de Santa e do Elefante, mesmo não tendo sido convidados. Houve protestos, temores, gritos. Consultaram Ifá, o oráculo. Ele mandou que fossem.

Na manhã da celebração, Madalena e os seus desceram o Alto do Pascoal, vestidos a caráter: estandarte na frente, damas de paço, damas de calunga, corte, rei e rainha resguardados do sol pela umbela. Quando avistaram a casa terreiro de Santa, cantaram uma toada. Silêncio. Madalena enviou um emissário e aguardou resposta. Os minutos duravam horas. O emissário retornou acompanhado de um pajem com o estandarte do Elefante. O vassalo curvou-se diante do estandarte do Indiano, cruzando as duas bandeiras no alto, em sinal de cumprimento e boas-vindas. O cortejo foi recebido e Dona Santa, sentada num trono, pediu que Madalena ficasse à sua direita durante toda a festa.

– Madalena – perguntou Santa –, você sabe como é que se coroa uma rainha?

– Não sei não, senhora – respondeu a majestade do Indiano.

– É na Igreja do Rosário dos Pretos. Venha me visitar uma tarde dessas, que eu lhe ensino tudo. Vou coroar você rainha.

    O resto não se escutou. Os batuques de todos os maracatus presentes à festa decidiram tocar juntos. Alheios aos sentimentos que moviam Santa, o desejo de coroar uma sucessora. Coisa que não fez. A morte a levou alguns dias depois da promessa.

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