12 jun Usem o tempo com os livros
Quase não vejo televisão. Faltou-me hábito para isso. Quando eu era menino e adolescente no Crato, frequentava o cinema, ouvia rádio, brincava com os amigos na rua e lia muito. Sempre tive paixão pelos livros, um gosto que aprendi com meu pai. No Recife, aproximei-me dos poetas e escritores bem antes de chegar aos médicos. Sentia-me fascinado pelo mundo dos artistas, mais do que pelas enfermarias dos hospitais. A medicina para mim foi um duro e longo aprendizado.
Vez por outra me sento em frente à televisão de casa. Tento interessar-me por algum programa, mas quase sempre desisto. Prefiro usar a tela para ver filmes, concertos e balés. Mesmo nos canais fechados, dificilmente encontro algo que me diga respeito. Há uma sucessão de partidas de futebol, rúgbi, tênis, basquete, vôlei, golfe, lutas da UFC, corridas de carro e filmes dublados. Dizem que a ascensão financeira dos brasileiros à classe ‘C’ é responsável pela queda de nível dos programas. Os novos consumidores não leem vinhetas com facilidade e por esse motivo os filmes precisam de dublagem. As emissoras só mostram o que o grande público aprecia e como eu não gosto de nada que elas mostram, desligo.
Ler é um ato solitário. Precisamos ficar sozinhos com o livro, escutar as vozes do narrador e das personagens, alegrar-nos e sofrer com eles. Você argumentará que assistir televisão também é um ato solitário. Em parte. O espectador fica na companhia de imagens muito próximas do real, quase sempre de artistas, jogadores ou apresentadores conhecidos, numa relação impossível de se alcançar lendo um livro.
Vivemos um tempo de primazia da imagem. Em todos os lugares as pessoas não param de fotografar. Sentir já não basta, é necessário o registro, uma prova da realidade dos acontecimentos. Fotografam-se e ao mundo em torno, e põem no Face book, no Instagram e no WhatsApp. Quem olha as imagens nem se dá ao trabalho de ler o texto que as acompanham. A foto é sempre mais eloquente, transcende o mero plano da imaginação e fantasia. A imagem fala por si mesma, dispensa palavras.
O excesso de oferta visual tira as pessoas dos livros. E do hábito de narrar. Cada vez contam-se menos histórias. Nem a própria história as pessoas se dão ao prazer de contar. E narrar a própria história, do início ao fim, é o maior indicador de saúde mental. Um esquizofrênico possui o discurso fragmentado e não junta os pedaços de sua história. Acho que nossa sociedade anda meio maluca pela falta de narrativas.
Alguns livros nos provocam transtorno. São sacudidas que mudam nossa visão do mundo, nos fazem refletir sobre a ordem das coisas. Isso é muito bom, por isso aconselho às pessoas que leiam os bons livros. Os ruins, também. Sempre aprendemos algo novo, mesmo com os livros ruins. Pelo menos uma frase se salva e isso significa muito. Na televisão, quase nada se salva. Por isso não perco tempo com ela. Mas o meu ponto de vista é bem antiquado, talvez porque nunca me acostumei com a cultura televisiva. Tem alguma cultura na TV? Não vale a TV Cultura, mas mesmo essa eu nunca vejo.
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