24 jan Sobre a arte de torrar café
“Janeiro é o mês das alvíssaras. Como ele ainda não terminou, aproveito para anunciar o meu novo livro, que será lançado em abril. Leiam a apresentação e fiquem sabendo do que o livro trata. Boa leitura e bom final de semana.”
Na viagem ao lugar onde nasci, rumino perguntas e recebo uma única resposta, a de que no sertão ainda semeiam palavras, poucas, de preferência nas pedras. Anoto que o Recife tornou-se parecido com o Iraque e a Síria bombardeados, se fragmenta como as tabuinhas de Gilgamesh. Encontro a África no quartier La Goutte D’Or, em Paris, e também as transformações do Velho Mundo. Em Buenos Aires, na Praça de Maio, imploro que me apontem o sul, o charco escuro e o homem acossado por milicos. Cego de beleza, recordo os versos de Rilke: pois que é o Belo senão o grau do terrível que ainda suportamos? Novamente no Recife, me assombro com três mulheres negras e velhas bebendo cachaça numa casa em ruínas, no Pátio do Terço.
Espreito, olho, me aproximo, cheiro, sinto, me transtorno, sempre de caderno e lápis na mão, muitos cadernos, de vários tamanhos para tudo anotar e quase nada perder. Método antigo, encher papéis com palavras e miragens. Importa que os rabiscos virem narrativas, nunca se sabe o alcance do que vivemos, no que se transformará uma simples frase. E que não se rompa o vínculo com a história, nem se deixe o relato partir, pois se isso acontecer, seremos projetados para fora do tempo.
Os 55 textos de A arte de torrar café não são apenas crônicas ou ensaios, resenhas ou contos curtos, embora pareçam tudo isso. Prefiro chamá-los apenas de narrativas, o que escrevi sem o intuito de fazer ficção. Nos dois primeiros livros, Faca e Livro dos homens, já assumira o gosto de narrar, numa escrita em que fosse possível reconhecer a linguagem no processo de tornar-se literatura. Depois do romance Dora sem véu, selecionei um pouco do que havia publicado ao longo de 20 anos na revista Continente, na Terra Magazine – editada por Bob Fernandes –, no jornal O Povo e no meu blog. Precisei da ajuda dos amigos Assis Lima e Cristhiano Aguiar, e da cuidadosa edição de Marcelo Ferroni.
Procurei alcançar como Manuel Bandeira um “sentimento íntimo do país” e mesmo quando visito outras geografias é no Brasil que estou e é a partir dele que falo. Recife, Crato, Inhamuns, Cariri cearense, São Paulo, Porto Velho, o mundo, artistas, intelectuais e pessoas simples do povo me fazem pensar sobre a nossa experiência social. Sobretudo agora, quando o arcabouço dessa construção de séculos parece ruir.
ELIAS NETO SAMPAIO VASCONCELOS
Posted at 19:46h, 29 marçoLeitura iniciada. Que bia surpresa para esses dias. Grande abraço!