28 abr Diário do isolamento 14 | As feridas crônicas
(terça-feira, 28 de abril)
As feridas crônicas
Eu tinha apenas 12 anos e morava no Crato, quando aconteceu o golpe militar de 1964. Já escrevi muitas vezes sobre isso, mas não custa nada repetir. Lembro de ter ouvido os discursos de Arraes, Brizola e João Goulart, no comício da Central do Brasil, em 13 de março. O rádio Philips trazido dos Inhamuns ficava junto à minha rede e eu não conseguia dormir com o barulho. Meu pai era udenista e conservador, minha mãe, pobrezinha, temia o comunismo, mesmo sem saber do que se tratava. Acendia velas para Nossa Senhora Aparecida, uma imagem de louça que meu irmão e eu ganhamos, na primeira comunhão.
No dia 31 de março, quando os militares assumiram o controle do país, os padres mandaram repicar os sinos das igrejas. Estamos livres do comunismo ateu, as pessoas comentavam eufóricas. Apenas quando cheguei ao Recife, em 1969, compreendi que a CIA e a Casa Branca forjaram um governo comunista no Brasil, com João Goulart, e gastaram milhões para convencer disso a opinião pública americana e brasileira. Tinham medo de perder o prestígio econômico e a influência que sempre tiveram sobre nós. Deram aos militares a segurança necessária para o golpe de 64. Compraram políticos, empresários, imprensa, tudo. Goulart renunciou e eles não precisaram invadir nosso território. Mas a Marinha americana chegou à costa brasileira.
É estranho como as pessoas não se dão conta dos logros da História. Desde a proclamação de nossa república, semelhante a um golpe militar seguido de dois governos militares – Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto –, vivemos repetidas ditaduras. A de Getúlio Vargas, um civil, e a de 1964 a 1985, quando se sucederam cinco militares, oito se contarmos os três membros da junta governativa provisória. Contando com Hermes da Fonseca e Eurico Dutra, eleitos pelo voto, e o atual Jair Bolsonaro, chegamos à conta de dez ou treze presidentes militares, um número bastante elevado para os 131 anos de república.
Talvez isso explique os recorrentes apelos à volta dos militares, os pedidos de uma nova ditadura, com fechamento do Congresso, Senado e Supremo Tribunal. Também pedem o Ato Institucional número 5 de volta, o que significa o fim da democracia e de nossa liberdade. Com o atual presidente, um capitão reformado, os rogos se elevam a cada semana. Os crimes de várias naturezas que cercam o governo, não atravessam os olhos e ouvidos dos seus apoiadores fanáticos, não chegam ao cérebro, se registrando como consciência da realidade. Segundo novas pesquisas de opinião, 48% dos brasileiros rejeitam a abertura de impeachment contra o presidente.
Lembrei a postagem de André Nascimento Pontes, professor de Lógica do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas: É preciso entender. O eleitor do Bolsonaro não vai ficar constrangido ou mudar de opinião vendo a diarreia mental e o rebosteio que as ideias do seu candidato provoca. Isso exige um outro patamar de civilidade, de sensibilidade humana. Não é por argumento, História, números, estudo técnico, que o eleitor de Bolsonaro se interessa. Eles querem é um amplificador dos seus próprios preconceitos. Uma metralhadora de frases de efeito. Daí a empatia. Bolsonaro é uma autoimagem de muitos brasileiros: racista, homofóbico, misógino, sádico e subletrado. Todo mundo tem um Bolsonaro perto de si, dizendo diariamente muito do que foi dito no Roda Viva: um amigo, um marido, um tio, um avô, um colega de trabalho… Bolsonaro não é um mito, Bolsonaro é um espelho da ignorância humana.
Amaro Agostinho dos Santos Junior
Posted at 16:19h, 28 abrilExcelente!
Como acordar esse bando de dementes ? Parece que esse pesadelo nunca terá fim!?