27 set Livre pensar é só pensar (ao estilo Millôr Fernandes)
Diário do isolamento 35
(domingo, 27 de setembro)
Livre pensar é só pensar (ao estilo Millôr Fernandes)
Está programada uma abertura das medidas preventivas à Covid19, em Pernambuco, a partir de amanhã. Porém muitos preferem continuar dentro de casa. O medo dá o toque de recolher. O isolamento prolongado gerou hábito. Não é fácil retomar a convivência com as pessoas, pois a solidão vicia.
Nossa forma de prevenir e combater o coronavírus é esconder-se dele, enfrentá-lo apenas com o conhecimento e medidas higiênicas. Lembrei de Perseu tentando cortar a cabeça da Medusa. Ele não podia tocar o chão com os pés, nem contemplá-la, pois se transformaria em pedra. Evitamos nos aproximar do coronavírus, usamos máscara, capacete, propé e nos envolvemos em nuvens de álcool.
Espanto-me com as declarações falsificadas dos nossos governantes. Incêndios de florestas são apresentados como preservação ambiental, queda da economia como crescimento e massacre de pessoas como segurança. Há quem encontre uma estranha satisfação em destruir e nisso até eleva a autoestima.
Depois da guerra contra a Covid19, surgem novas cidades, onde as pessoas voltam a ganhar as ruas, mas não parecem alegres por detrás das máscaras. No Recife, as casas e edifícios continuam de pé, não sofreram bombardeios ou incêndios, apenas tornaram mais visíveis a sujeira e o abandono.
Percebi reações diferentes à Covid19, em cada estrato social. Os pobres do Recife precisaram trabalhar durante a fase mais agressiva da pandemia, por motivos de sobrevivência. O enigma da esfinge era: fica em casa e a fome te devora. Afoitos, se arriscaram a adoecer e a morrer. O Estado não garantia o isolamento. Quando a circulação começa a ser liberada, eles parecem mais adaptados ao novo estilo de vida e prontos a recomeçar.
Os trabalhos em grupo são os mais difíceis de retomar. A dança e a representação teatral exigem proximidade física e entrega. Depois de identificarem uma estranha poesia nas máscaras – diferentes das que se usava no teatro grego e na commedia dell’arte –, atores e bailarinos tentam vencer o espaço de separação estabelecido para os corpos. Não tem sido fácil. É difícil vencer o medo incutido pela ciência.
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