29 dez Um olhar sobre o teatro que fazemos
Às vezes me percebo ufanista com o teatro de rua, calçadas, praças, pátios de igreja e terreiros, esse que nos habituamos a chamar de brincadeira ou brinquedo e damos o nome de teatro popular da tradição, quando escrevemos sobre ele. Desprestigiados, desfalcados, oprimidos, os artistas do povo teimam em sobreviver, mesmo que mutilados pelas exigências de prefeituras e donos da cultura, que determinam o tempo que podem se apresentar no carnaval ou numa Festa de Reis.
A região Nordeste tornou-se guardiã dessas brincadeiras, erradamente chamadas de “folclore”. Graças a elas surgiram a dramaturgia de Hermilo Borba Filho, Ariano Suassuna, Joaquim Cardozo, Luiz Marinho, e as pesquisas de Câmara Cascudo e Mário de Andrade.
Quem nasceu no Brasil e tem o olhar menos preconceituoso e colonizado, não precisa fazer a viagem de Peter Brook pelo Afeganistão e pela África, para chegar à revolucionária encenação do Mahabharata. Também não precisa ir à Índia ou a Bali, como fizeram Ruth Saint Denis e Ted Shawn, para renovarem os cânones da dança. No Nordeste do Brasil se guardaram muitos códigos centenários do teatro e da dança tradicionais, praticados de forma livre e contemporânea. Sem ler nem estudar Brecht, atores populares praticam algumas de suas técnicas, como o distanciamento. Sem saberem quem foi Grotowski, realizam o teatro pobre. Igualmente ignorantes de Beckett, vivenciam o essencial do absurdo nas suas representações.
Precisamos que nos olhem com respeito e considerem que ao escolhermos o modelo apontado pela dramaturgia popular, seguimos o exemplo de mestres como Goldoni, Molière, Shakespeare e outros. Se não preferimos Artaud é porque este nunca foi o caminho do nosso teatro. Mas, por isso, não diminuam o valor da nossa criação, nem a folclorizem.
Seremos gratos.
Feliz 2021!
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