27 jan Tarcísio Pereira imortal, imortal
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O livreiro Tarcísio Pereira, usando a tradicional camisa de brim azul, calça jeans e boina, se aproxima e põe em minhas mãos, com a delicadeza que também era sua marca, um volume de A arqueologia do saber, de Michel Foucault.
– O livro que você queria acabou de chegar. É esse mesmo?
Olho Tarcísio, correspondo ao sorriso e digo que na verdade eu havia procurado romances de Faulkner. Ele sofrera um deslizamento, coisa típica da psicanálise: deslizara de Faulkner para Foucault.
Ou seria artimanha de livreiro, que nos induz a gostar de livros que nem cogitávamos ler? Já que fui coaptado, aproveito para iniciar-me no filósofo e pensador em moda naquela época. Compro Foucault e o leio aos solavancos, da maneira que lia Lacan em minha formação psicanalítica.
– Já conhece Antonin Artaud?
– Li O teatro e seu duplo, mas basta por hoje. Não sou compulsivo nas compras como Abel Menezes e Jomard Muniz de Britto.
– Não fale mal dos seus amigos.
Rimos.
– Basta mencionar o Cão e ele aparece, grito em forma de saudação.
E aponto as duas figuras emblemáticas entrando na livraria, alvoroçados, falando alto e ao mesmo tempo. Vou ao encontro deles.
– Seu Reinaldo! Me cumprimenta Abel Menezes.
– Como vai o meu primo rico? Ironiza Jomard, porque tenho o sobrenome Brito com um único “t”.
O Recife intelectual, leitor, filósofo, historiador, artístico, estudantil, festivo ou sisudo, de esquerda mas não apenas de esquerda, a cidade inquieta e conservadora gravitava em torno da Livro-7. A livraria de Tarcísio Pereira foi um fenômeno dos anos 70, 80 e até 90, incompreensível nos dias de hoje pelo significado e representação que alcançou. Tudo o que se realizava em teatro, dança, música, cinema, jornalismo, artes visuais e literatura convergia para a Livro-7 e dela para outros recantos, cumprindo o jargão Pernambuco falando para o mundo.
Surgiram outras livrarias, mas todas com o formato de supermercados. Mesmo que promovessem lançamentos, conferências e shows, nunca se tornaram o ponto obrigatório de encontros para conversas, panfletagens e discussões ideológicas. A impressão era a de que os rumos da cidade eram traçados na Livro-7.
O Recife mudou, o centro entrou em decadência, os consumidores deixaram de frequentá-lo, a venda de livros caiu. Recife tomou feição de Síria e Iraque bombardeados. Cresceu o barulho, o trânsito, as dificuldades de deslocamento, o medo. Os mercados livrarias, sem livreiros, mudaram-se para os shoppings ou para as plataformas de internet, tornando impessoais a relação com os leitores. Findou uma era, outra delineia-se com youtubers, blogs, sites e oficinas especializados em aconselhar leituras, etc., etc….
Mas falta alguém de boina e camisa azul, que deixe em nossas mãos um livro que não pensávamos ler, transformando o acaso em necessidade.
Espero que existam livrarias no céu, onde Tarcísio continue a missão a que dedicou a vida: promover a leitura.
Charles
Posted at 16:41h, 27 janeiroA cada dia que passa as pessoas se distanciam dos espaços culturais, das escolas, dos espaços privados, tornando o meio de comunicação e sociabilização remoto.
Paulo Henrique Maciel
Posted at 17:26h, 27 janeiroRonaldo, li com emoção o seu belo texto sobre o imortal de verdade, Tarcísio Pereira.Fomoes amigos por 50 anos.
Em meu nome e da legião de amigos/admiradores do seu 7, obrigadíssimo, ex-cordis.
Paulo Henrique Maciel
Sérgio Da Matta
Posted at 18:49h, 27 janeiroTarcísio deve ser o único não escritor que tem fortuna crítica tão densa e poderosa. Vou sugerir à Sueli que comece livro com essa sua.
Ivanilde Morais de Gusmão
Posted at 17:51h, 28 janeiroNão só vai ter livraria como vai apresentar nossos livros.
No meu caso, dizer:
Publiquei vários livros dessa Escritora e tenho a honra e alegria de escrever o texto das orelhas de todos!!!
Reli as escritas de Tarcisio nos meus livros e me emocionei muito!!
Tenho certeza que lá no Universo sorri simplesmente e divulga nossa Escrita!!!
Abraço fraterno Ivanilde
André
Posted at 23:06h, 28 janeiroTexto maravilhoso, sintetizou tudo o que era a Livro 7
Maria Inês Moreira de Melo
Posted at 14:15h, 29 janeiroBorges: “Sempre imaginei o paraíso como uma grande biblioteca”
Tarcísio nos deu um céu!
Marcelo Pereira
Posted at 16:00h, 29 janeiroParabéns, Ronaldo. Tarcísio marcou cada um de nós que tinha na Livro 7 um templo que frequentávamos em busca de um alimento para o espírito e impulsionava-nos à busca da construção de uma sociedade mais justa e humanizada.
FRANCISCO JOSÉ BIZERRA DE CARVALHO
Posted at 15:58h, 30 janeiroAbriram-se os livros, saltitaram todas as letras, mãos dadas com as interrogações da vida. Estava ali o ponto final. Saudavam a viagem de Tarcísio rumo ao segundo céu, vez que o primeiro se localizou na 7 de Setembro. Parágrafos inteiros choravam a sua partida.