A insaciável ganância dos políticos | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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A insaciável ganância dos políticos

A história é bem popular. Virgínia Wolf relatou-a no seu romance Passeio ao Farol. Alguns autores costumam chamá-la simplesmente de A Solha, o que pareceria um erro para nós brasileiros, que masculinizamos essa espécie de peixe, abundante na costa atlântica. Habituei-me com a forma feminina, de tanto lê-la nos livros clássicos, parecendo-me artificial dizer o solha, do mesmo modo que parece pedante quando escrevo o charque, ao invés de a charque, referindo-me à carne de jabá. Mas o artigo não pretende discorrer sobre gramática, apenas contar uma história.

Um pescador pobre lançou sua rede. Ele, a mulher e os filhos passavam fome havia três dias, porque nada pescara. Desanimado, tentou a sorte uma última vez, encontrando no fundo da rede uma solha. O pobre peixe debatia-se em vão. Sabendo o destino que o esperava, suplicou ao homem que o atirasse de volta às águas do mar. Em troca, daria o que ele pedisse. Habituado à pobreza, o homem pediu uma fazenda modesta, um curral de vacas, chiqueiros com porcos e galinhas, roupas domingueiras. Ao voltar para casa, mal acreditou na fortuna. Tudo estava ali, muito acima do que imaginara. Feliz, o pescador contou sua história à esposa, que ao invés de mostrar-se satisfeita, ficou amuada. Chamou-o de idiota, homem sem ambições, incapaz de enxergar mais longe.

Pouco tempo depois, ordenou que o marido voltasse ao mar, invocasse a solha, e exigisse um baronato para ela. A história é longa e o final previsível. A ambição da mulher não tinha medida, a ansiedade por novos poderes subia num permanente crescendo. Depois do baronato ela desejou um condado, um ducado, um reinado, um império, um papado e, por último, ser Deus. A cada retorno, o pescador encontrava o mar bem mais agitado. Na última viagem, ondas escuras e medonhas ameaçavam tragá-lo. Temeroso, comunicou à solha que a mulher desejava ser Deus. O peixe olhou-o sem compaixão. Falou que voltasse para casa, dessa vez ela ficaria satisfeita. Já de longe, ele viu a antiga choça imunda, os filhos maltrapilhos, a esposa descabelada. Tudo voltara a ser como antes.

Os leitores talvez pensem que à falta de assunto eu resolvi encher duas páginas com história da Carochinha. Se fosse apenas isso, já seria bastante. Os contos da tradição oral encerram os ensinamentos acumulados ao longo da trajetória do homem sobre a Terra. Talvez precisem ser novamente recontados, lidos, tomados como exemplo para uma prática de vida mais justa e coerente. Não parece a vocês que a mulher do pescador é a representação perfeita dos nossos políticos, esses que só pensam em eleger-se e subir nos cargos?

Mal se elegem deputados estaduais, eles já estão brigando para chegar a federais. Depois a governadores, senadores, ministros ou presidente da república. Um frenético jogo de cadeiras: girando, sentando, girando, sentando, girando, sentando… Os discursos rapidamente esquecidos, a ética relegada, a honestidade proscrita da memória. Nós, eleitores, damos os votos que eles nos pedem, como a solha atendia aos pedidos sem limite da mulher ambiciosa. Alimentamos o egoísmo dessa gente, acreditando que um dia daremos um basta final.

Temo estar sendo cruel, na medida em que generalizo. O conto de tradição oral relata exemplos particulares, estendendo a sua função educativa à coletividade. Cada um, bote na cabeça a carapuça que melhor lhe servir. Professo que por uma ovelha não condenamos o redil. Mas hoje em dia, as ovelhas são exceções e o rebanho a regra.

Quando Yahweh resolveu destruir a cidade de Sodoma, segundo o relato bíblico, Abraão protestou: “Destruirás o justo com o pecador? Talvez haja cinquenta justos na cidade. Destruirás e não perdoarás a cidade pelos cinquenta justos que estão em seu seio?” Ao que Yahweh respondeu: “Se eu encontrar em Sodoma cinquenta justos na cidade, perdoarei toda a cidade por causa deles.” Como não foram encontrados, a cidade ardeu em chamas.

No Brasil, teríamos mais sorte? Talvez devêssemos aplicar a justiça e a benevolência do conto da cebola.

– Outra história? – reclamarão vocês. – Sim, outra história da tradição, que bem faria se fosse lida na Câmara e no Senado, em Brasília.

Um pecador ardia no fogo do inferno e suplicava clemência ao Deus Todo Poderoso. Seus clamores foram escutados lá em cima no céu, e um anjo enviado para ajudá-lo. – Em sua vida terrena, você praticou pelo menos um ato de caridade, que possa aboná-lo? – perguntou o Anjo compadecido. A alma danada procurou lá no fundo de sua vida egoísta e mesquinha um gesto, por mais insignificante, para salvá-lo das chamas. E lembrou que havia muitos anos, atirara uma cebola podre para um mendigo.

O Anjo, feliz em poder ajudar o desgraçado, falou que seria aquela mesma cebola que o salvaria. Estendeu até o céu uma folha de cebola e pediu que a Alma se pendurasse nela e subisse sem medo. Aquele que um dia fora um homem, agarrou-se com sofreguidão ao fiapo verde e começou a subir. Bem adiante, olhou para baixo e reparou que outras almas condenadas também se penduravam na cebola, tentado escapar ao inferno. Temendo que a folha se partisse com o excesso de peso, o danado chutava os que vinham abaixo dele, com a intenção de derrubá-los. Tantos movimentos ele fez que a cebola partiu-se, precipitando-o novamente no fogo eterno.

Não sou apreciador de fábulas moralistas. Mas confesso que gostaria de ver uma folha de cebola estendida de Brasília até o céu. E dar gargalhadas vendo as quedas monumentais.

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