11 abr Ainda a velha pergunta: literatura ou medicina?
Se penso bem, vejo que o meu interesse pela literatura é anterior ao meu desejo de fazer medicina. No mundo em que nasci e fui criado, não existiam escritores profissionais e era natural nos encaminharmos para medicina, engenharia, direito, comércio e agricultura. Ser médico exige uma dedicação aos estudos e ao trabalho quase integral. Nos anos de faculdade, especialização e início de carreira foi difícil achar tempo para ler, ver cinema, teatro e dança, e menos ainda para escrever. Mais adiante, a esposa medicina e a amante literatura foram ajustando as agendas e os conflitos entre elas diminuíram.
Não posso condicionar o ato de escrever à expectativa de um grande número de leitores, como os do Padre Marcelo Rossi e Paulo Coelho, embora seja desejável ter pessoas que leiam o que você escreve. O condicionamento ao leitor causa ansiedade e paralisia. No Brasil, os escritores são mais festejados do que lidos. Nada comparável a um jogador de futebol é bem verdade. Mas é preocupante como as pessoas leem livros cada dia menos, preferem ler as postagens dos blogs, sites e matérias jornalísticas da internet. São escritas bem diferentes do que nos habituamos a considerar literatura. Consolo-me lembrando que alguns escritores foram pouco lidos em vida, ou nem publicados, como Kafka.
Sou a mesma pessoa quando atuo como médico ou quando escrevo. Não sofro nenhuma ruptura. Quando os meus pacientes falam e eu os escuto, sinto algo semelhante ao que experimentava quando ouvia as histórias dos narradores que passavam pela fazenda dos meus pais e da minha avó. A escuta foi outro costume abolido na relação entre as pessoas. É cada vez mais raro você encontrar alguém disposto a ouvi-lo ou você se dispor a ouvir alguém. Vivemos um tempo de altas tecnologias de comunicação, que nos isolam ao invés de nos aproximar. Um tempo de solilóquios. Tornou-se cada dia mais complicado, sobretudo aos jovens, ouvir, olhar, escutar e tocar. Cito esses verbos num significado transcendente. Minha escrita se alimenta de escuta. Quando escrevo, os relatos dos meus pacientes ganham as narrativas. Todo dia saio do hospital enriquecido de novas histórias, que acabam aparecendo nos meus contos e romances.
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