
08 jun Sonho de leitor
Reli sem entusiasmo o Macbeth, numa tradução de Manuel Bandeira, editada em Portugal. Ler Shakespeare sem empolgação? É possível? Perdi a conta das vezes que li esse texto sombrio, um tratado sobre a ambição desmedida. Sempre me impressiono com Hécate e as três bruxas, com os fantasmas que assombram o rei assassino e sua esposa. Assisti algumas versões para o cinema. As que mais gosto são Trono manchado de sangue, do cineasta japonês Kurosawa, e o Macbeth de Polanski.
Com a idade e as releituras, o prazer e o assombro de ler um livro cedem lugar à investigação e à análise. Heresia! Proclamaria Harold Bloom, se fosse vivo e lesse minhas revelações apócrifas. Não sou herege, juro, mas a nossa relação com os livros muda com o tempo. Até Jorge Luis Borges, que me contempla de uma estante à frente, tornou-se íntimo e quase sem mistérios. Evito alguns contos famosos para não desvendar truques e fraquezas. A grande armadilha para os escritores é ceder ao artifício de suas invenções. Porém nenhum, por melhor que tenha sido, deixou de cair nas próprias ciladas.
Continuo um leitor religioso de Borges, Shakespeare, Dostoievski, Tchekhov, Whitman, Faulkner… Tão fiel como já fui a Machado, José de Alencar, Graciliano e, acima de todos esses, a Guimarães Rosa. Machado – perdoem-me os acadêmicos que continuam vasculhando suas frases mais coloquiais, iluminando-as com ensaios de centenas de páginas – deixou de me interessar, uma desistência involuntária. Já o afastamento de Guimarães foi voluntário, uma escolha entre ser leitor ou escritor.
Eu me sentia tão encantado com o lirismo e a metafísica de Rosa, tão embalado pelo seu ritmo e pela sonoridade do idioma inventado por ele, que só conseguia imitá-lo, aprisionado na mesma cadência roseana. Lia Guimarães e bestava como os passageiros de trem, o corpo tomado pelos sacolejos dos vagões, depois que a viagem findava. Guimarães não saía de mim. Decidi sair dele. Num dia em que não mais escreverei, vou me tornar apenas leitor do Grande sertão, de Sagarana, Buriti, Manuelzão e Miguilin, Tutameia…
E um leitor fiel de Shakespeare, tão próximo de Rosa como de Dostoievski. Nesse ano em que se comemoram os 400 anos de morte do inventor do humano, procuro interessar professores e alunos da rede pública de ensino para um trabalho voluntário sobre a dramaturgia de algumas tragédias, comédias e dramas históricos. Brevemente publicarei a minha proposta. E abrirei espaço aos candidatos.
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