28 set E por falar em viagens…
Encontrei um amigo, professor de física na universidade. Fiz a besteira de perguntar:
– E aí, como vai?
Ele nem me deu tempo de refazer a pergunta num conceito menos cinemático. Embora seja especialista em quântica, gastou suas milhas.
– Agora em setembro, fico quinze dias em Ohio. Em outubro viajo ao Japão, para um congresso. Em novembro, passo uma semana em Madri. Em dezembro, volto duas vezes aos Estados Unidos.
Eu desejava saber como ele ia de saúde, no casamento e no esporte a vela. Esqueci o quanto se tornou perigoso conjugar o verbo “ir” nas frases interrogativas. Tenha cuidado ao fazê-lo, poderá ser bombardeado com narrativas tão enfadonhas quanto as viagens do veneziano Marco Polo, ou os relatos de cidade invisíveis como as de Ítalo Calvino.
– Mas você está bem? – tento reverter a pergunta.
– Quem não estaria bem na perspectiva de um Ano Novo em Paris?
Mesmo alojado numa água furtada, no sexto andar de um prédio sem elevador, no bairro de Montmartre. No cômodo exíguo, fica-se de pé em pouco mais de seis metros quadrados. No espaço restante, é preciso engatinhar.
– E sua maravilhosa casa na Várzea, com jardins tropicais? Não sente falta da amplidão? – me arrisco tímido.
– Paris é Paris.
– Bela frase – comento para disfarçar o riso.
– Em Paris vive-se nas ruas e nos cafés.
– Um pouco complicado para mim, sou escritor e só consigo trabalhar em casa.
– A grande literatura francesa foi produzida em cafés.
– Faz algum tempo, não? Na vez em que estive em Paris pagava-se uma fortuna por um cafezinho. De pé, no balcão, custava um preço. Sentado dentro da cafeteria, outro valor. Na calçada, com direito a cadeira e mesinha, o equivalente ao salário de um mês. E o relógio marcava as horas.
– Exagero! Pra que é que se ganha dinheiro?
– Pra gastar…
– Isso mesmo, pra gastar nas viagens. Não reparou que todo mundo está viajando?
– É verdade, alguns bem desconfortáveis. Viu os documentários sobre imigrantes tentando entrar na Europa?
– Nunca vi.
– Seria bom ver.
– Viajo como professor, pago pela universidade.
– É bem melhor.
– Em maio estarei em Berlim, num congresso.
– Puxa. E tua mulher?
– Também faz as viagens dela, pelo Departamento de Matemática.
Arrisco mais uma pergunta:
– E vocês se encontram?
Ele ri seguro. Nada como a convicção dos físicos e matemáticos, sabem exatamente o que desejam e por isso escolheram “exatas”, no vestibular. Escritores optam por “humanas”, um caminho tortuoso e escorregadio, bem mais complicado.
– Quando os congressos coincidem na mesma cidade, costumo vê-la.
Tento dizer alguma coisa, mas ele se antecipa:
– Por qual motivo nosso casamento duraria tanto tempo?
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