40 vezes 40.000 ladrões | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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40 vezes 40.000 ladrões

Mataram o bandido Zoinho, no agreste pernambucano. Nada extraordinário se lembrarmos de que o Brasil ostenta o maior número de assassinatos no planeta. A estatística alarma e dá medo. Mata-se por qualquer motivo ou sem nenhum. Basta que o vento mude de posição ou o sol aborreça como no romance “O estrangeiro”, de Alberto Camus. Pelo menos aqui não se mata por intolerância religiosa, lembra um ufanista verde e amarelo. É verdade, ainda não somos um Estado Islâmico, mas já atiram pedras nos praticantes do candomblé, picham e incendeiam as casas de santo, os terreiros da tradição africana. Estamos a caminho. A continuar dessa maneira, breve chegaremos ao EE. Adivinhem a sigla. Para um bom entendedor duas letrinhas bastam.

O bandido Zoinho era assassino e ladrão, conhecido por roubar celulares. Encontraram mais de cinquenta aparelhos escondidos numas locas de pedra. Para que ele desejava tantos celulares?Até parece com os empreiteiros, políticos e funcionários de estatais, que abrem contas milionárias na Suíça, compram apartamentos em Nova Iorque e armazenam dinheiro em suas casas. Como e quando eles pensam em gastar tudo isso? Em outras encarnações? De que maneira?

Quando eu era menino, perdia o sono tentando encontrar uma lógica para os 40 ladrões da história de Ali Babá, aquela narrada no livro das “Mil e uma noites”. Vocês todos se lembram que Ali Babá é um pobre lenhador que, por acaso, vê quando um bando de ladrões montados a cavalo chega com uma carga de roubos. O chefe da caterva – eu adorava essa palavra da tradução portuguesa – pronuncia as palavras mágicas “Abre-te sésamo” e um enorme rochedo se move, dando acesso a uma gruta cheia de tesouros. Tudo o que se possa imaginar de moedas de ouro e prata guardadas em sacos, joias preciosas, tapetes e tecidos finos, pilhados ao longo de anos. A gruta é tão monumental que eles entram com os cavalos, descarregam o butim e partem novamente.

Nesse ponto da história começava a minha dor de cabeça e uma insônia incontrolável. Eu não alcançava responder uma questão infantil. Quando os bandidos iriam usufruir os benefícios do roubo? Parecia que nunca, pois eles não paravam de encher a gruta de mais e mais moedas. Será que os sacripantas – outra palavra adorável da tradução portuguesa de Antoine Galland, que me parece adequada aos corruptos brasileiros – jamais gastariam o dinheiro, exibindo-se com joias magníficas em festas que só imaginamos no mundo árabe? Então os caras não passavam de uns avarentos, acumulavam e acumulavam pelo gosto perverso de possuir cada vez mais, não se importando com os danos causados às pessoas lesadas? Nesse tempo eu não me ligava em política e só desenvolvi a analogia entre os 40 ladrões das “Mil e uma noites” e os patifes nacionais bem mais tarde. Hoje, eu faço a pergunta dessa maneira: Será que os sacanas brasileiros são uns avarentos, só pensam em acumular e acumular, não sentem o menor remorso pelo dano que causam ao nosso país, aos cidadãos comuns, roubando até mesmo as verbas destinadas à saúde e à educação? Continuo perdendo o sono e ainda não compreendo o sentido da caverna abarrotada de tesouros, semelhante aos bancos nos paraísos fiscais.

Quando Ali Babá começa a subtrair sacos de moedas da caverna, ele se justifica dizendo: ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Zoinho também pensava e agia dessa maneira? E os salafrários nacionais acham que estão roubando de que ladrão? Pergunto isto por que eles se revelam inescrupulosos, não sentem a menor culpa nem expressam qualquer remorso no rosto, que escondem sob as camisas e os paletós. Respondo inseguro: os corruptos brasileiros roubam o Estado. Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão, garante Ali Babá, aliviando a consciência. Epa! Aonde querem chegar com o raciocínio? E o nosso Estado é um ladrão? Ele também nos rouba? Sempre acreditei que o Estado é idôneo, me representa, me protege, luta pelos meus direitos, me defendendo até a morte.

As dores de cabeça se agravam, a insônia me perturba. As dúvidas infantis aumentam, à medida que me torno mais velho. Não aceito a pedra lançada contra uma criança vestida de branco, a cor do meu Orixá. Nem encontro resposta que justifique os 40 vezes 40.000 ladrões brasileiros.

Ou este é um cálculo modesto?

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