22 mar As mulheres e os homens
No sábado, quando eu comprava frutas e verduras no mercado, um senhor me perguntou se eu conhecia um melão doce.
– Olhando de fora é impossível saber, respondo. Mas, posso ensiná-lo a reconhecer se está maduro ou verde.
Somos uma clientela na maioria masculina. Percebo a crescente presença de homens de todas as idades nos supermercados e feiras. Bom sinal, eu penso.
Quando eu tinha 11 anos, meus pais me encarregaram da compra diária de carnes, verduras e frutas da nossa casa. Família grande, cheia de agregados. Não havia geladeira e tudo era fresco. Às cinco e meia da manhã já estava no supermercado com a cesta. Aprendi cedo a distinguir mercadorias boas de ruins. Se chegasse com alguma coisa estragada, minha mãe me obrigava a trocar. Um vexame. Tudo feito a pé, corrido, porque às sete horas eu precisava estar no colégio.
Aos 13 anos, fui promovido a fazer a feira semanal, que no Crato acontecia às segundas. Imaginem o tamanho das compras para uma casa com cerca de 15 moradores, entre pais, filhos, tios, sobrinhos e empregados. Coisa impensável nos dias de hoje. Eu gastava uma tarde inteira rodando os vários locais de venda espalhados pela cidade, todos com nomes de feira: do arroz, do feijão, da goma, da farinha, das carnes, dos queijos, além da parada na mercearia onde comprava o restante dos produtos. Ainda tenho pesadelos, onde apareço criança, correndo de um lado para outro das ruas do Crato, desesperado porque não vou conseguir terminar a feira.
Papai e mamãe eram trabalhadores incansáveis e sempre nos atribuíam uma série de afazeres domésticos. O gosto pelos estudos me parecia exagerado, mas hoje compreendo que se tratava de cuidado com a nossa formação. Depois do almoço e do jantar, papai fazia serões de leitura: crônicas, passagens da História Sagrada, livros de história e geografia, poemas, cordéis. Foi ele quem me iniciou no gosto de ler, assistir cinema, ouvir música, dançar. Era ele quem revisava meus cadernos, mandando que eu refizesse as redações um número incontável de vezes, até ficarem razoáveis.
Sempre achei que minha mãe trabalhava bem mais do que meu pai. Hoje ainda penso assim, só que ampliei a impressão para todas as mulheres do sertão onde vivi até os 17 anos. Elas faziam os trabalhos dos homens – na roça, no comércio, nos fabricos de queijo, nos teares – e a maior parte dos afazeres domésticos. Meu pai ajudava em casa: cozinhava, lavava, passava nossas roupas e até costurava. Quando nasceu meu primeiro filho, ele e mamãe confeccionaram uma rede para o neto. As varandas de linha em pontos de nó são obras primas. Cada um bordou uma varanda, disputando quem terminava primeiro e alcançava a perfeição. Empataram.
Bem cedo assumi o lugar de mamãe como escriba. Passei a escrever cartas para as pessoas que diariamente iam à nossa casa pedir essa ajuda. Acho que esse foi um dos principais estímulos a me tornar escritor.
Lembrei dessas coisas a propósito do discurso de Temer, no Dia da Mulher. Não sei em que mundo irreal ele se criou, garanto apenas que era bem diferente daquele em que eu vivi. Felizmente. O exemplo de meus pais fortaleceu a visão moderna da mulher na sociedade. No mundo patriarcal sertanejo, na década de 50, já havia indícios da revolução que estava para acontecer. E aconteceu. Temer não viu isso. Infelizmente.
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