31 maio Glória e lamentação – Martha Graham
Desta vez, a coreografia da bailarina americana Martha Graham se chama Lamentation e ela a dançou no Brooklin, talvez no mesmo ano em que foi criada, 1930. Presa dentro de um tubo elástico de malha, a bailarina se movimenta como se estivesse nos limites da própria pele. A sensação para quem assiste é de claustrofobia.
Martha Graham refere que após a apresentação foi procurada por uma moça de rosto sereno, mas com os sinais de quem havia chorado muito. Ela agradeceu, dizendo que Martha nunca saberia o quanto fizera por ela naquela noite. Quando a bailarina procurou informar-se sobre o que acontecera, ouviu o relato de que a moça vira o filho de nove anos ser atropelado por um caminhão e morrer. Depois disso, apesar do esforço dela própria e das pessoas amigas, nunca conseguira chorar. Quando viu Lamentation, finalmente, o conseguiu.
Martha Graham conclui seu depoimento sobre o caso dizendo: Há sempre pelo menos uma pessoa com quem você pode se comunicar na platéia. Uma.
O artista busca primeiro criar para si mesmo, em seguida comunicar-se com as pessoas do seu tempo. Mesmo que ele crie na perspectiva do futuro, há sempre o desejo desse leitor ou ouvinte ou espectador para quem falará diretamente. Em meio ao deserto que se segue à criação, onde nunca existirá oásis nem descanso, espera-se alguém que foi tocado pela mesma grandeza ou miséria que tocou o artista.
Escrevi certa vez: O escritor busca comunicar-se com seu público: uns de forma serena; outros, desvairados. Correm atrás de quem os leia, ou escute, ou aplauda. Ao mesmo tempo em que precisa do exercício silencioso da criação, de estar sozinho trabalhando, o mundo cobra cada dia mais que ele chegue ao limite de sua resistência, cumprindo uma maratona de conferências, entrevistas e artigos, numa exposição do corpo e da alma para ser visto, lido, cortejado. Poucos sobrevivem ao enigma moderno da esfinge: preserva-te e serás esquecido ou expõe-te e serás devorado.
A Lamentação de Martha Graham representa a angústia do homem tentando romper os limites que o impedem de expandir-se, estender braços e pernas, por a cabeça de fora, dar novo alcance às idéias e pensamentos. O útero claustrofóbico é aliciante, convida à inércia, à acomodação. A distensão e o choro só acontecem no esforço de ir além dos limites da própria pele.
Vista oitenta anos depois, a coreografia de Martha Graham parece tão simples. No entanto, quanta ousadia para a época, uma quebra dos cânones do balé clássico. O artista precisa romper limites, os seus e os de quem recebe sua arte. Mesmo que demorem a percebê-lo. É necessária a fé de que uma pessoa na platéia, uma, será tocada pela grandeza ou miséria da criação. E aí, o artista nunca mais estará só.
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