20 set Ode à saúde dos poetas gays
Viver é perigoso, afirma Guimarães Rosa, no Grande Sertão: Veredas. Viver no Brasil mais perigoso do que em qualquer outro lugar do mundo, concluo ao analisar as estatísticas de homicídios, chacinas, assaltos, estupros, tráfico humano e de drogas, crimes cometidos por políticos, policiais, membros da Justiça, empresários, latifundiários…
A cada dia dormimos num país e acordamos noutro. Despertar é um susto. O que mudou de ontem para agora, nos perguntamos? Que escândalo ou desfaçatez nos espera? Hoje, a proposta encaminhada por um juiz, que já ganhou o nome de “cura gay”. Uma piada. Somos os mais violentos do planeta, mas também os mais cínicos e descarados. Curar o que? Depois da revolução sexual e da contracultura ainda me surge uma dessas?
Vamos curar Rimbaud, Verlaine, Proust, Thomas Mann, Oscar Wilde, Garcia Lorca, e meio mundo de artistas, intelectuais, cientistas, etc. Piada grosseira, estão querendo engrossar o angu. Selecionei alguns poemas para animar a luta e a resistência ao obscurantismo.
Poema do americano Walt Whitman, publicado em 1855:
Quando em teu colo deitei a cabeça, meu camarada,
a confissão que fiz eu reafirmo,
o que eu te disse e a céu aberto
eu reafirmo: sei bem que sou inquieto
e deixo os outros também assim,
eu sei que minhas palavras são armas,
carregadas de perigo e de morte,
pois eu enfrento a paz e a segurança
e as leis mais enraizadas
para as desenraizar,
e por me haverem todos rejeitado
mais resoluto sou
do que jamais poderia chegar a ser
se todos me aceitassem,
eu não respeito e nunca respeitei
experiência, conveniência,
nem maiorias, nem o ridículo,
e a ameaça do que chamam de inferno
para mim nada é, ou muito pouco,
meu camarada querido: eu confesso
que o incitei a ir em frente comigo
e que ainda o incito sem a mínima ideia
de qual venha a ser o nosso destino
ou se vamos sair vitoriosos
ou totalmente sufocados e vencidos.
Fernando Pessoa na “Saudação a Walt Whitman”, poema de 1915.
Não quero fecho nas portas!
Não quero fechaduras nos cofres!
Quero intercalar-me, imiscuir-me, ser levado,
Quero que me façam pertença doída de qualquer outro,
Que me despejem dos caixotes,
Que me atirem aos mares,
Que me vão buscar em casa com fins obscenos,
Só para não estar sempre aqui sentado e quieto,
Só para não estar simplesmente escrevendo estes versos!
E as estrofes do poeta espanhol Federico Garcia Lorca, assassinado por fascistas durante a Revolução Espanhola, pelo motivo não confessado de que ele era homossexual. O poema é a “Ode a Walt Whitman”.
Porque é justo que o homem não procure o prazer
na selva de sangue da manhã mais próxima.
O céu tem praias onde evitar a vida
e há corpos que não devem repetir-se na aurora.
Pode o homem, se quiser, conduzir o desejo
por veia de coral ou nu celeste.
Amanhã todo o amor será rocha e o Tempo
uma brisa que chega adormecida pelos ramos.
Evoé!
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