31 jan O carnaval promete
Pule, se agite, o samba vai contagiá-lo! O frevo, o axé, o rock, a balada, o rap. Qualquer ritmo vale. O que não vale é ficar parado, deprimido, pelos cantos. Beba, beba, beba! Encha a cara! Está quente, muito quente, o planeta aqueceu, o gelo derrete, o mar transborda. Não importa, deixa ferver, despedaçar, diz a música de Caetano. Você está no carnaval e a alegria não para nunca. Em algumas cidades, como Salvador, Olinda e Recife, começou desde a festa de Ano Novo.
Ninguém permite que você fique de bobeira, nem a televisão, nem o rádio, nem o som que o vizinho instalou na mala do carro, nem o trio elétrico com um volume acima do que permite a lei. Que lei? Não existe pecado do lado de baixo do Equador. Agora é Chico.
Não fuja para a praia, nem se esconda na montanha. A menos que desligue o rádio e a televisão, e esqueça o seu micro em casa. Se não fizer isso, ficará assistindo a alegria na tela, dentro de um retângulo onde todos pulam, cantam e dançam indiferentes ao resto do mundo. E existe alguma realidade fora do carnaval?
Ninguém vai deixa-lo quieto, porque não é permitido ser diferente da massa. A voz do carnaval ordena: saia para a rua, pule, cante, se agite! Dessa maneira serão felizes e iguais, uma geleia geral.
Você não está nem aí pra esse papo cabeça de que manipulam a massa. Essa é a massa real! A galera bebe cerveja, indiferente se a alegria compulsiva é patrocinada. As fábricas turbinam seu fígado e cérebro, sem direito a indenização. Você pula doido, bate, quebra, cai na calçada. Tudo é carnaval.
Esqueça a gostosa da propaganda, ela não é para o seu bico. Inventaram a moça para vender mais cerveja. O único fim dessa alegria é vender mais. E você pensando no antigamente, nas marchinhas de bloco, nos ranchos, nas escolas de samba. Passou. Nem sei se existiu mesmo algum dia a saudosa felicidade. Carnaval foi sempre tão ilusório. Agora se tornou mais prático. As televisões vendem, as fábricas de bebidas vendem, as prefeituras vendem, os políticos se mostram e se vendem. Você consome, acreditando que faz parte da ordem do mundo. Enche a cara e cai na rua.
Todo ano aparece mais gente para brincar o carnaval. Quem nunca brincou antes, brinca agora. O rádio e a televisão não deixam ninguém dentro de casa. Eles mostram tanta coisa linda, tanta alegria. Você acredita e vai. São multidões, marés, maremotos. Números astronômicos, recordes de foliões. Até São Paulo entrou na onda. Já está sendo vendido como o melhor lugar do mundo para se brincar. Eu vou. E você? Não dá para resistir, ser diferente. Sucumba à tentação de ser mais um, unzinho atrás do trio elétrico da felicidade prometida.
Na quarta-feira de cinzas, a televisão ainda mostra os remanescentes da alegria. Muita gente segura o rabo da felicidade. E olha você lá atrás! Agarra-se nas promessas e tenta chegar ao céu.
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