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Dizem que não aprecio as cidades. Pura invenção. Costumava caminhar pelas ruas antigas do Recife como quem percorre as galerias de um museu: olhando quadros e enxergando o que se oculta por trás de pinturas emolduradas. Recife é um palimpsesto de aquarelas submersas na caliça...

Diário da epidemia 17 (sexta-feira, 22 de maio) Eu canto o trabalho que liberta (com mote de Walt Whitman) Trabalho é liberdade, afirmava Mira Alfassa, mais conhecida por A Mãe. Se você não trabalha, alguém terá de fazê-lo no seu lugar, observou Tchekhov. Nesse tempo em que nos pedem ou obrigam...

Prólogo (A cidade, lugar do Teatro, entre arredia e sedutora) Deve-se chegar ao Recife pelos ares, voando de ultraleve. Assim podemos enxergá-lo inteiro em meio ao oceano, aos rios Capibaribe e Beberibe, às marés e aos mangues. Vemos cada pedaço de terra firme cercado de águas salobras,...

Ai de mim que sequer tenho a sombra por companhia. Meu coração é um engenho remoendo nostalgia: As imagens que eu retenho de hoje são de outro dia.*1   Monólogo (O Teatro reflete sobre ele mesmo)           Cerrada a cortina e apagado o lustre da plateia, os derradeiros espectadores transpõem...

Caminha sempre aos domingos, com a devoção de um católico que frequenta a missa. Religiosamente. Bermuda jeans, camisa de malha meio gasta, sandálias de couro no lugar dos tênis e o boné ganho numa loja de construção. Anda dez quilômetros se a bebedeira do sábado...

Diário do isolamento 16 (quarta-feira, 13 de maio)   Entrei na faculdade de medicina, da Universidade Federal de Pernambuco, em fevereiro de 1970, um ano depois da promulgação do AI-5. O clima era assustador. Essas mulheres passadas da meia idade, que saem às ruas vestindo camisas da seleção...

Diário do isolamento 15 (domingo, 03 de maio)   Passei dias sem ânimo de escrever uma página. O diário já existia antes que eu o chamasse assim, na forma de crônica ou pequenos ensaios. O tema da pandemia e do desgoverno brasileiro tornou-se repetitivo, monótono, um lugar comum...

(terça-feira, 28 de abril) As feridas crônicas Eu tinha apenas 12 anos e morava no Crato, quando aconteceu o golpe militar de 1964. Já escrevi muitas vezes sobre isso, mas não custa nada repetir. Lembro de ter ouvido os discursos de Arraes, Brizola e João Goulart,...

(domingo, 26 de abril) A loja dos horrores “Se for mesmo imperioso, terei de lavar as mãos quarenta vezes com potassa, outras quarenta com raiz aromática, e mais quarenta com sabão, totalizando cento e vinte vezes.” Ainda não cheguei a tanto, mas se algum dia sairmos do isolamento...

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