<\/p>\n

O argentino Jorge Luis Borges afirmava que n\u00e3o havia nada de ruim que pudessem dizer sobre os seus livros que ele n\u00e3o dissesse bem pior. A m\u00e1goa entre artistas e cr\u00edticos \u00e9 antiga e contradit\u00f3ria. Se, por um lado, os artistas se queixam do sil\u00eancio que paira sobre suas obras, ofendem-se quando escrevem o que eles n\u00e3o gostam. At\u00e9 o recatado Tchekhov n\u00e3o usa panos mornos ao falar dos cr\u00edticos, numa carta a Ivan L. Le\u00f4ntiev.<\/p>\n

\u201cSe a cr\u00edtica, a cuja autoridade voc\u00ea se refere, sabe o que eu e voc\u00ea n\u00e3o sabemos, por que ent\u00e3o at\u00e9 agora ela permanece calada, por que ela n\u00e3o nos desvenda a verdade e as leis absolutas? Se ela soubesse, pode ter certeza de que h\u00e1 muito tempo nos teria mostrado o caminho e n\u00f3s saber\u00edamos o que fazer, … n\u00f3s n\u00e3o ter\u00edamos tanto t\u00e9dio e fastio… Mas a cr\u00edtica se cala com impon\u00eancia, ou ent\u00e3o se limita a um palavreado vazio e imprest\u00e1vel. Se ela parece influente \u00e9 apenas porque \u00e9 tola, pretensiosa, atrevida e barulhenta, porque \u00e9 um barril vazio que se ouve a contragosto…\u201d<\/p><\/blockquote>\n

O tom agressivo lembra Graciliano Ramos, assumidamente avesso aos resultados da Semana de 22, achando que os modernistas brasileiros confundiam o ambiente liter\u00e1rio do pa\u00eds com a Academia e tra\u00e7avam linhas divis\u00f3rias, mas arbitr\u00e1rias, entre o bom e o mau, querendo destruir tudo o que ficara para tr\u00e1s, condenando por ignor\u00e2ncia ou safadeza muita coisa que merecia ser salva. Com a desconcertante franqueza de sempre, respondeu quando lhe perguntaram se era um modernista: \u201cEnquanto os rapazes de 22 promoviam seu movimentozinho, achava-me em Palmeira dos \u00cdndios, em pleno sert\u00e3o alagoano, vendendo chita no balc\u00e3o.\u201d<\/p>\n

Vale a pena transcrever um segundo par\u00e1grafo da carta de Tchekhov a Le\u00f4ntiev, por sua atualidade e semelhan\u00e7a com Graciliano.<\/p>\n

\u201cQuanto \u00e0 palavra \u2018arte\u2019, dela tenho medo… Quando me falam do art\u00edstico e do antiart\u00edstico, do que \u00e9 c\u00eanico ou n\u00e3o \u00e9 c\u00eanico, de tend\u00eancias, de realismo etc., fico atrapalhado, titubeio e respondo com meias verdades banais, que n\u00e3o valem nem um tost\u00e3o. Eu divido as obras em duas esp\u00e9cies: as que me agradam e as que n\u00e3o me agradam. N\u00e3o tenho outro crit\u00e9rio, e se voc\u00ea me perguntar por que Shakespeare me agrada e Zlatovr\u00e1tski n\u00e3o me agrada, n\u00e3o saberei responder. Talvez com o tempo, quando me tornar mais inteligente, eu adquira crit\u00e9rios, mas, por enquanto, todas as conversas sobre \u2018arte\u2019 s\u00f3 me cansam…\u201d<\/p><\/blockquote>\n

Borges nunca continuava a leitura de um livro que n\u00e3o o agradasse. Mas, os cr\u00edticos, por dever de of\u00edcio, se obrigam a atravessar as p\u00e1ginas que os desagradam e a manifestar-se al\u00e9m das impress\u00f5es de bom e ruim, gosto e n\u00e3o gosto.\u00a0 Duro of\u00edcio.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

  O argentino Jorge Luis Borges afirmava que n\u00e3o havia nada de ruim que pudessem dizer sobre os seus livros que ele n\u00e3o dissesse bem pior. A m\u00e1goa entre artistas e cr\u00edticos \u00e9 antiga e contradit\u00f3ria. Se, por um lado, os artistas se queixam do…<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":468,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"content-type":"","footnotes":""},"categories":[8,45],"tags":[55,53],"class_list":["post-466","post","type-post","status-publish","format-standard","has-post-thumbnail","hentry","category-blog","category-slider","tag-critica-literaria","tag-cronica"],"yoast_head":"\n