Vi na televis\u00e3o um casamento nos ares. Noivo, noiva e juiz pularam de p\u00e1ra-quedas e a cerim\u00f4nia foi celebrada em descida, com vestido e v\u00e9u levados pelo vento. O casal ser\u00e1 mais feliz porque se une de forma t\u00e3o bizarra? N\u00e3o sei. Talvez a fa\u00e7anha conste no livro Guiness de recordes e besteiras, e marido e mulher mostrem aos filhos as fotos da maior realiza\u00e7\u00e3o de suas vidas. Se o casamento durar tanto.<\/p>\n

Tamb\u00e9m soube que j\u00e1 casaram numa c\u00e1psula de escafandro, debaixo d\u2019\u00e1gua. E que no Recife, noivos entraram vestidos de passistas, dan\u00e7ando ao som de um frevo. Em outra cerim\u00f4nia, as alian\u00e7as chegaram numa cestinha, presa ao pesco\u00e7o de uma cadela de estima\u00e7\u00e3o. Quanto g\u00eanio criativo!<\/p>\n

O casamento, como tudo o mais nas sociedades midi\u00e1ticas, virou pretexto para as pessoas se exibirem. \u00c9 uma ind\u00fastria complexa, em franca ascens\u00e3o. A cada dia as empresas casamenteiras, os cerimoniais, inventam novas representa\u00e7\u00f5es, formas de assaltar o bolso das fam\u00edlias incautas, que se deixam roubar desde que os filhos casem com algum balangand\u00e3 diferente e o circo incorpore novos macacos e elefantes.<\/p>\n

H\u00e1 quem gaste tudo o que possui, e at\u00e9 se endivide para impressionar os convidados com demonstra\u00e7\u00f5es de riqueza e opul\u00eancia. Mas a cerim\u00f4nia, que sempre significou um ritual de inicia\u00e7\u00e3o a uma nova vida e era celebrada com poucos familiares e amigos, tornou-se repetitiva, enfadonha, um massacre para os convidados suarentos em palet\u00f3s quentes e vestidos alugados.<\/p>\n

Que t\u00e9dio! Primeiro, a sauna da igreja, a espera pela noiva, que sempre atrasa. Depois, a fastidiosa fala do padre, os conselhos matrimoniais de quem n\u00e3o sabe as del\u00edcias e agruras de uma vida a dois.<\/p>\n

Tudo t\u00e3o repetido: a entrada do noivo com a m\u00e3e, do sogro com a sogra, da noiva com o pai. A m\u00fasica mal executada, cl\u00e1ssicos populares da revista Caras<\/em>, que os convidados s\u00f3 escutam em casamentos, pois s\u00e3o mais fissurados em ax\u00e9 e forr\u00f3.<\/p>\n

\u2013 Ah, eu quero aquela m\u00fasica que tocou no casamento de Ana Cec\u00edlia!
\n\u2013 Qual?
\n\u2013 Aquela! Toca no celular de Tiago.<\/p>\n

Chamam o irm\u00e3o, e ele solta os toquezinhos eletr\u00f4nicos, arremedos musicais. Finalmente encontram uma sonata de Chopin. Pobre Chopin! Por sorte, s\u00f3 o sacrificam na igreja. As bandas que animam as festas possuem um repert\u00f3rio brega, no m\u00e1ximo largam um New York, New York<\/em>, obrigat\u00f3rio em todo baile. Um terror!<\/p>\n

Depois da igreja, a viagem apressada ao buf\u00ea de recep\u00e7\u00e3o, para pegar uma mesa de pista, mais pr\u00f3xima do dancing e da sa\u00edda dos gar\u00e7ons. Garantido o lugar na festa, entra-se numa fila intermin\u00e1vel de cumprimento aos noivos e seus pais. Volta-se \u00e0 mesa e come\u00e7a a torturante conviv\u00eancia com pessoas desconhecidas, colocadas ao seu lado por falta de outro lugar.<\/p>\n

A conversa \u00e9 formal, geralmente sobre o sexo das nuvens ou a intelig\u00eancia das baleias cinzentas do P\u00f3lo Norte. O mais puro surrealismo.<\/p>\n

Por sorte, est\u00e1 na hora de voc\u00ea entrar na fila da mesa de frios. Depois, noutra fila para o jantar, invariavelmente um fricass\u00ea de frango, com batatas palha e arroz. E mais tarde, a fila dos tentadores docinhos. Na mesa, os desconhecidos j\u00e1 conversam animadamente sobre restaurantes e comidas, elogiam a festa, e falam o que ir\u00e3o almo\u00e7ar no domingo. Voc\u00ea acha louv\u00e1vel o quanto aqueles senhores de barrigas rotundas, e aquelas senhoras gorduchas que sonham com uma lipoaspira\u00e7\u00e3o abdominal se empanturram de comida e bebida. E quase todos forraram o est\u00f4mago em casa, antes de sair para a festan\u00e7a, pois n\u00e3o resistiram ao rocambole de camar\u00e3o da sogrinha.<\/p>\n

Os padres, ocupados em salvar almas, pouco conhecem de m\u00fasica e deixam passar os repert\u00f3rios mais extravagantes. Na missa, \u00e9 poss\u00edvel ouvir uma adapta\u00e7\u00e3o da trilha sonora de Paul Simon e Garfunkel, para o filme A Primeira Noite de um Homem. Algum cl\u00e9rigo, que nunca assistiu \u00e0 pel\u00edcula, adaptou a m\u00fasica ao momento do Pai Nosso. Desconhece que no filme ela ilustra uma t\u00f3rrida cena de sexo. Ah, s\u00e1bia Igreja! E imaginar que por muitos menos a Inquisi\u00e7\u00e3o queimava inocentes, acusados de sacril\u00e9gio.<\/p>\n

Em nenhum detalhe da festa, por menor que seja, descobre-se o gosto da fam\u00edlia ou dos noivos. Tudo obedece ao cerimonial, uma institui\u00e7\u00e3o tir\u00e2nica, que faz de Hitler um anjo. Mulheres em vestidos pretos deselegantes movimentam-se sobre saltos altos, falam atrav\u00e9s de walkie-talkie, dirigem a encena\u00e7\u00e3o. Arrumam o vestido da noiva, mandam que ela pare num determinado lugar, d\u00e3o sinal \u00e0 orquestra, retocam roupas e adere\u00e7os.<\/p>\n

Mais onipresentes do que essas parcas, s\u00f3 mesmo o batalh\u00e3o de cinegrafistas e fot\u00f3grafos. Afinal, casa-se para qu\u00ea? Para filmar e fotografar. E, depois, submeter amigos e parentes ao massacre de assistir o mesmo carnaval que j\u00e1 presenciaram ao vivo.<\/p>\n

O ingresso para os casamentos compra-se nas lojas onde os noivos deixam suas listas de presentes, quase sempre bugigangas in\u00fateis. \u00c9 uma forma de pagamento indecoroso. Em alguns casos, os filmes matrimonias possuem carreira curta. Acabam ligeiro. E nem \u00e9 o homem que separa o que Deus nunca uniu.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Vi na televis\u00e3o um casamento nos ares. Noivo, noiva e juiz pularam de p\u00e1ra-quedas e a cerim\u00f4nia foi celebrada em descida, com vestido e v\u00e9u levados pelo vento. O casal ser\u00e1 mais feliz porque se une de forma t\u00e3o bizarra? N\u00e3o sei. Talvez a fa\u00e7anha…<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":651,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"content-type":"","footnotes":""},"categories":[8,45],"tags":[66,53],"class_list":["post-618","post","type-post","status-publish","format-standard","has-post-thumbnail","hentry","category-blog","category-slider","tag-casamento","tag-cronica"],"yoast_head":"\n